quarta-feira, 5 de maio de 2010

Assim de viés (aqui, e não lá)

"Conheci certa vez, totalmente por acidente, uma moça totalmente de viés - lá na esquina, acendendo um cigarro, no canto do meu olho, brilhando! Não me apaixonei, já passei da idade pra isso, mas cativou-me até certo ponto - desisti do meu caminho, sei lá qual era, e fui lá, todo perna entre pernas, dizer oi. Garanti ser só um bom rapaz, sem intenções sexuais, dizendo só olá, e, embora desconfiada, pareceu acreditar. Engatamos logo de cara uma conversa estimulantíssima, gargalhamos repetidas vezes enquanto discutíamos a ditadura de Pinochet - hahaha, pobre Allende, aquela morsa de rosto pelado, quantos suspiros... Contei-lhe sobre minhas aventuras na selva, coletando pequenas conchas trazidas por gaivotas perdidas, e sua silhueta pareceu até mesmo afinar enquanto me ouvia, sorriso nos olhos, tão atenta... Aliciei-a o quanto pude, aquela rapariga tão singular e esguia, que sumia nas beiradas caso a deixasse escapar. Apaixonante, ainda que eu não a amasse! Ofereci-me para lhe ensinar sobre o teatro grego clássico - era sedenta pelo saber, aquela mulher de sorriso malicioso. Fomos para minha casa, tão interessante ela era, e logo que lá chegamos a assassinei e empalhei."


trecho do diário de A. F. W. Wolschousen