segunda-feira, 28 de junho de 2010

growing up

desde que vendeu sua alma, eric tem andado preocupado. não pareceu sério na hora, mas os seus dedos parecem cada vez mais frágeis agora. e sua temperatura média caiu para 35,5 graus celsius. no trabalho (pintor de cartazes para um conglomerado socialista multimilionário), continua eficiente, mas as pessoas lhe trazem cada vez menos café. continua tocando guitarra bem, no entanto. o sexo está melhor do que nunca. acorda refrescado, com a garganta limpa. o incrível é que ele não se lembra exatamente porque vendeu a alma, ou pelo quê. nem do nome da vizinha que ele queria pegar. hoje eric vai a uma festa, e ele escolheu se vestir de preto, com tênis vermelhos.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

o hoje

morreu degolado e calou a boca.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Assim de viés (aqui, e não lá)

"Conheci certa vez, totalmente por acidente, uma moça totalmente de viés - lá na esquina, acendendo um cigarro, no canto do meu olho, brilhando! Não me apaixonei, já passei da idade pra isso, mas cativou-me até certo ponto - desisti do meu caminho, sei lá qual era, e fui lá, todo perna entre pernas, dizer oi. Garanti ser só um bom rapaz, sem intenções sexuais, dizendo só olá, e, embora desconfiada, pareceu acreditar. Engatamos logo de cara uma conversa estimulantíssima, gargalhamos repetidas vezes enquanto discutíamos a ditadura de Pinochet - hahaha, pobre Allende, aquela morsa de rosto pelado, quantos suspiros... Contei-lhe sobre minhas aventuras na selva, coletando pequenas conchas trazidas por gaivotas perdidas, e sua silhueta pareceu até mesmo afinar enquanto me ouvia, sorriso nos olhos, tão atenta... Aliciei-a o quanto pude, aquela rapariga tão singular e esguia, que sumia nas beiradas caso a deixasse escapar. Apaixonante, ainda que eu não a amasse! Ofereci-me para lhe ensinar sobre o teatro grego clássico - era sedenta pelo saber, aquela mulher de sorriso malicioso. Fomos para minha casa, tão interessante ela era, e logo que lá chegamos a assassinei e empalhei."


trecho do diário de A. F. W. Wolschousen

segunda-feira, 22 de março de 2010

janjão

janjão decidiu aos 15 anos não sair mais de casa. era um herdeiro rico demais com pais mortos de tuberculose há 10 anos então foi fácil. aumentou a casa antiga 5 vezes e fez um quarto pra jogar boliche. fez amigos novos mais velhos que usavam terno e não usavam. os empregados não podiam mais falar. batia punheta sozinho com todo mundo olhando. só usava sapato de madeira. um copo de limonada todo dia de manhã. sempre um filme italiano diferente projetado na parede. explodiu a casa do vizinho e fez um canil. gostava de budismo. procurou não usar mais capas depois de saber que era ridículo. nunca conheceu os avós não fez questão. fomentador da economia. um dos três brasileiros mais importantes da última década grande grande grande homem responsável por tantos. mais magro do que gordo. não queria apaixonar porque era muito complicado. não-protagonista. viveu feliz pra sempre.

quinta-feira, 11 de março de 2010

senhor romance

dele e disse que ele nunca mais ia fazer isso com ela, voz calma, pausada, só o nariz meio tremendo, e o olho vermelho ainda, e virou as costas e foi embora, e ficou só ele lá parado olhando a porta fechada e as coisas dela espalhadas que ela não fazia questão de buscar porque em paris tem tudo novo e íam pagar bem. Não deu tempo de se arrepender, foi direto pro ódio - só pra ficar mais mal depois. Ela era mais bonita quando ele ficava mal, mas ele não contava isso pra ninguém.

Um comentário sobre como todas as discussões são iguais - interioriza-se - e banalizando, vamos assim, despersonalidade e catequese - até o cheiro dela já sumiu, virou parede - até a gente escrever uma obra-prima. e aí vende.

não tem rosto
não tem língua
só uma descrição acurada e poética de um sofrer préprocessadopós
no qual o meu fôlego vale tanto quanto o passado mais que verdade descrito
só um
rondó de cimento
para o meu amor
lá longe de tudo
porque sabe que não
tem mais.