sábado, 23 de fevereiro de 2008

Atrás

Você não sabe o que significa seguir um homem até segui-lo. Você pensa que quando, por acaso, você anda atrás de uma mesma pessoa por um tempo considerável você está seguindo, mas é completamente diferente. Quando você não tem nenhum caminho definido a seguir, só os passos de outra pessoa, todo o ato de andar se transforma.
É principalmente a transformação que traz o impacto: sua maneira de agir deixa de ser superficial e todos os seus gestos ganham significado, mesmo que você não saiba; você tem de disfarçar a si mesmo de uma maneira que você, ao se ver na rua, não se perceberia. É muito mais do que olhos furtivos e um casaco grande, é uma mudança muito mais espiritual do que física.

e eu não soube como segui-lo assim os meus pés se arrastando pela calçada os dele na frente me encarando para trás e ele sabia que eu estava mas continuava seguindo irônico como se quisesse me torturar e eu só queria acelerar e chegar perto dele e colocar a mão no ombro dele e puxá-lo para trás mas não as regras não as regras são outras e não essas e o homem seguindo atrás observando aos poucos, é assim que deve ser.

- A senhora deve me desculpar, mas eu não trabalho por tão pouco.
- Mas eu preciso saber! Ele é descuidado, logo você descobre, eu juro!
- Se é tão fácil, faça você mesma.
- Eu não posso... Por favor, aceite, é tudo que eu posso pagar...
- Não é o bastante.
- Eu te amo.

A taxa cobrada é de 200 reais por dia, mais as despesas. Ele é rápido e eficiente e nunca se engana. E até mesmo seu rosto segue o padrão que você esperaria. O nariz de boxeador. E os olhos menos misteriosos do que parecem. Ele desmascarou na última vez um homem que traía a esposa apenas uma vez a cada duas semanas, por dez minutos, no banheiro de uma peixaria. O suicídio depois era só a cereja.

Na última vez em que senti que estava sendo seguido, era verdade. Os olhos olhando para trás: mais nada. Contratei outro.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

aquilo que se define e deixa de existir porque você desfez o.

Você nem sabe que família é uma coisa desse jeito que não se explica, boca calada por muito favor, e agora quietude. Eu nem sei o que é que dizem de um homem feito ele, tão tão tão assim que os outros quando iam falar sobre ficavam sem saber o que, meio sem o que e meio sem qual. Ele não era tão grande quanto a turma tem dito por aí não, grandinho, sim senhor, mas nada de muito gigantoso, normal, maior que o normal, mas normal, sim sim sim. O problema é que nunca se é só você, sempre há outro outro pra ser, não é, né, senhor, e era esse o problema, que tinha um irmão, tão grande e pequeno quanto, mas outro irmão, sim. Esse era de pouquinho mais magro, mas parecia por demais ser bem mais fino, daqueles que só de olhar já se quebra, e por isso ninguém não gostava de olhar pra ele não muito não, ele acho que não gostava não muito desse não olhar não. E ele tinha um assim um negócio no olho, não muito um desvio mas mais uma curva: esguiadez, não sei. Ele quando criança falava pras pessoas cada tipo de coisa que não se deveria, dizia na cara dos vizinhos e de outros aí que não gostava deles e que, sim, sim, fosse embora, até que os pais já fora do espectro de 'as crianças e as crianças são' deram a briga bronca, e ele percebeu que a direção estava inexata, no fim. E você nem sabe que esse filho era um menino tão incompleto que às vezes vendo de longe você só via um pedaço; os olhos que focam fogem, foragidos. E esses dois eram irmãos e eles não se encontravam e não fazia sentido, enfim, porque onde o conflito? Era de esperar-se e por toda a vizinhança e nos conhecidos era-se realmente assim: onde está? A briga era inesperadamente aguardada com aflição e apuro. Nem mesmo entendiam o que havia de tão assim para tornar necessário que ocorresse, mas era assim: a briga era por precisão.
Era como se assim fosse um assim erro, uma incorrespondência universal entre os dois, uma falta de integridade e integração, versificando o que não se gloricanta! Quando chegava-se perto dos dois a voz das pessoas s'engrolava e ficava toda assim estranha, ela cantava um pouco mas perdia a capacidade de ser comum um pouco, e às vezes era uma métrica tão impossível que o engasgo. E mais de uma vez o padre, suspeitando do exorcismo que se fazia pedido, lá se chegou e entoou a ópera que todos queriam ouvir, Caim e Abelizada, mas sem nunca nenhum dos irmãos atuar, ou nem mesmo tomar conhecimento disso; bênção!
E então, assim, você não mesmo quer saber, a ignorância explicita a felicidade, meu senhor não se aplique nesse tipo de coisa escrota, que é o que é que se quer ver mas que não dá pé, capture o momento em que tudo acontece e esquece de tudo isso, por favor, meu deus vai se foder e vai pra longe daqui, o mais distante possível, porque é no tudo que isso acontece, não, é sempre, senhor, você, assim.

você
entende
que a sua voz
não interfere em
nada do que está sen
do dito por ninguém e
a mensagem
tudo
os dois
isso aquilo
sua boca tão feia
escorrendo
besteira
o inferno com os dois
é assim mesmo
que a história
se faz.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

incompleto

desejo para todo o mundo
os mesmos ti
pos de doen
ças que vem
tão lindas
tortas e fei
tas de mel.
você sabe
da vez em que
(já viu a pergunta?)
o surto de
meningite
trouxe tanta maravilha?
era tu
do tor
to e incomple
todos cantam
desafino.

desatino.
a falar de tu
sem con
compreendo
(as vezes em que gargarejou tudo que não podia ter dito nos décimos)
você e se
ios e o
lhos, certo.

eu den
tro de
tudo len
to você
gemen
do pare
de quen
te viu
se fos
se assim
você pedin
do tudo, as
sim, en
tretendo
corpo sen
do algo
além do
depósito fim.

os olhos
piscando
de noite
fechados
delírio
tremendo
carpindo
o sonho
errado.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Onir

Essas botas não são para isso, ela murmurou; ignorância, no geral. Os dedos dele explodiam dezenas de vezes a cada suspiro. O narrador, que talvez seja alguém, exime-se da culpa em todas as instâncias. Impossível pensar concretamente com as mãos implorando amputações. Múltiplas. E então eu disse a ela que não seria necessário, não mesmo. No máximo a fisioterapia. Ela perguntou o que eu queria dizer com isso e nada, nada. E então eu a abracei de novo e a puxei para perto e o corpo dela estava brilhando, a luz suada em toda a sua pele. Ela sorriu para mim, meio encabulada, daquele jeito que não é nem de verdade; mas você conhece alguém que saiba fingir timidez tão bem assim? Eu enterrei os olhos na clavícula e respirei bem fundo antes de dizer. Lá fora da janela o silêncio propício; um mendigo ou dez, todos dançando meio lentos. Às vezes é isso, no entanto, o universo: viajando sem propósito de lóbulo para neurônio, aleatório: cruel? Arranhou os braços dela desesperado, as lágrimas se acumulando, o cabelo tão. Beijou o pescoço tão lento e tão lânguido. As palavras dela musicaram para fora, o alento. Ele disse não, não, nada. E então encostou o lábio no ouvido dela e eu disse: você não é de verdade. E meus braços: vazios. Bateu as últimas seis ou sete teclas sorriso intelectual ou choro culpado, as versões variam.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

os hífens

ele entra tão às vezes
(de quantas vezes você falou?)
perturbamos as paredes
(há quanto tempo estamos aqui?)
caminhou o seu turbante
(me viu no dia, lá tão bem longe?)
nunca sentiu não calor
(não me dê resposta.)

agora senhor
quando vier dançar
traga de antemão
(eles já sabem, tanto assim, afim?)
estamos entendidos?

eu gosto de quando
você sai de dentro
de tudo
do resto
daquilo que eu nem sei
(o centro dele não sou eu)

adora tanto entender
a briga irresta, sem corda
(passa a mão pra bem mais longe)
o aproximando, morte
não entende, não, não pode.

(se então
for assim?)
me diz então
quando é?
(quer saber)
você, deslidançando
(eu não sinto, por favor)
qual será?
quer entrar
(não, o então)
quer benzer
(o outr'além)
(você chegar)
(pensando, além)
o entreter.
(você, não eu.)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

di-álogo.

Era assim, então, daquele jeito, e ela disse que tudo bem; não tinha problema nenhum, mesmo, e ele sabia, afinal pra que servia, fora aborrecimento? A boca deslizando dançante muda, seus olhos ainda seguindo; pause. Você não entende como são essas coisas, nunca saberia; há talvez uma nova? uma outra? e o que ele quis: o nulo. Você sabe como são essas coisas, não?, tudo tão certo e tão besta, deixa de besteira. Cabaré, no fim, não é?, luz tão morta e a pele parece outra; tanta coisa pra dizer e tão pouca. O passo passa muito, rápido; você não olha pra trás, o que são essas besteiras?; o som do hesitar, não, era só mentira, o som do sofá sob tudo, tão tão; neutro? A porta que se desdobra nisso; o olho que rebate na porta olhando o inútil, diz agora quem é, se é, diz. O fim lá dentro, sem medo evidente, verdade, juro.


(postado sem revisar/etc então tipo. sux.)