terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Onir

Essas botas não são para isso, ela murmurou; ignorância, no geral. Os dedos dele explodiam dezenas de vezes a cada suspiro. O narrador, que talvez seja alguém, exime-se da culpa em todas as instâncias. Impossível pensar concretamente com as mãos implorando amputações. Múltiplas. E então eu disse a ela que não seria necessário, não mesmo. No máximo a fisioterapia. Ela perguntou o que eu queria dizer com isso e nada, nada. E então eu a abracei de novo e a puxei para perto e o corpo dela estava brilhando, a luz suada em toda a sua pele. Ela sorriu para mim, meio encabulada, daquele jeito que não é nem de verdade; mas você conhece alguém que saiba fingir timidez tão bem assim? Eu enterrei os olhos na clavícula e respirei bem fundo antes de dizer. Lá fora da janela o silêncio propício; um mendigo ou dez, todos dançando meio lentos. Às vezes é isso, no entanto, o universo: viajando sem propósito de lóbulo para neurônio, aleatório: cruel? Arranhou os braços dela desesperado, as lágrimas se acumulando, o cabelo tão. Beijou o pescoço tão lento e tão lânguido. As palavras dela musicaram para fora, o alento. Ele disse não, não, nada. E então encostou o lábio no ouvido dela e eu disse: você não é de verdade. E meus braços: vazios. Bateu as últimas seis ou sete teclas sorriso intelectual ou choro culpado, as versões variam.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou eternamente apaixonada pelos teus textos.
Eterna e irremediavelmente.

Bela disse...

não sei se é o álcool ou se eu normalmente teria essa reação , mas eu fiquei triste com esse texto.
hum.