sexta-feira, 28 de junho de 2013

sobre heroísmo

a tinta é lenta
sem tempo de dedos.

meu vulto é vazio
buracos, espaços, vento
saltar sem olhos
trincar paredes.
sou soco nas coisas.

frestas duras se derramam
gestações, valises falsas
luz de frio de duvidar.

berros, mas são de manteiga?
zeros distantes já vão
a cara duvida do gozo
o bloco sem fim
não chão.

o moço no pilar se dependura
abisma-se sumido sobre o.

dedos dança dois
o punho avan

sorrisos e amores
verbo mundo agora
comunhão
procu
fa
já?

o rosto lança
chacina, lindo
o rosto despe
o rosto
o esboço pobre
remendo, trancos

eu aliança
eu destronado
eu não avança
eu e?

lugar.

buraco triste
o mundo engole.

terça-feira, 25 de junho de 2013

o delegado fleury e sua fleuma, um pedaço de niilismo sem sentidos

INT - DIA - Quarto de paredes pintadas de cinza, 3 delas impecáveis/intocadas, 1 delas desgastada, marcas de unha, manchas, etc. Em uma das paredes, um quadro com o rosto enorme de "Mickey Mouse" pendurado. O chão é uma reprodução em azulejo do calçado estilo "estado de São Paulo". A porta está trancada com uma barra de ferro. Um ventilador desligado está jogado no chão, de ponta cabeça. Dois cones de trânsito estão encostados em um canto. Ao lado deles, um baú, aberto, com algumas cordas, cabos e algemas dentro. A única lâmpada iluminando a sala está coberta por celofane vermelho. Sentada no chão, encostada em uma cadeira, está ANA. De pé, em frente a Ana, está o DELEGADO SERGIO PARANHOS FLEURY, ou apenas DELEGADO FLEURY. Ao seu lado está outro POLICIAL, não nomeado. Ana usa um vestido azul rasgado na altura da barriga, sem sapatos. Fleury usa camisa florida, calça jeans e sapatênis. O policial veste farda.

Ana cospe no chão, entre um escarro e um princípio de vômito. Se apoia na cadeira e ela tomba para o lado; Ana quase cai mas consegue se manter sentada. Fleury olha para ela com olhinhos apertados.

FLEURY: Tá cuspindo em mim?

Ana cospe de novo, um pouco de sangue agora.

FLEURY: Tá de brincadeira. Não é possível.

ANA: Não tô passando bem...

FLEURY: Porra, o sapato é novo. Que sacanagem.

ANA: Nem pegou no seu sapato.

FLEURY: Cala boca, vai. Cê tá enxergando direito? Não tá, né? Fica quieta.

Ana se estica, tentando se alongar, colocando os braços para trás. Imediatamente o policial saca a arma e aponta para ela.

POLICIAL: Mão pra frente! Mão pra frente, porra!

ANA: Que que eu tenho escondido aqui? Cês me trouxeram pelada. Não tem nada aqui dentro. Que que tem escondido?

Fleury ri, sozinho. 

POLICIAL: Mão pra frente, agora!

Policial atira para cima, uma vez. Fleury dá um chute na cara de Ana. Ana cai pra trás.

FLEURY, se virando para o policial: Caralho! Quer me deixar surdo? Guarda o berro aí. Que cê acha que ela vai fazer? Tá morta já.

Policial guarda a arma no coldre. Ana geme caída no chão.

FLEURY: Ela tem tesão. Viu? Sabe que vai morrer e fica com tesão. Te falar, não tem uma até hoje que não ficou com tesão quando tá pra morrer. Acho que só fazem essas merdas pra ver se vem parar aqui.

ANA, ainda deitada, sem tentar se levantar: Cala sua boca.

Fleury ignora e dá as costas a ela. Vai até o policial. Pega a arma do coldre do policial, que não reage. Aponta a arma para o pé do policial e atira. Policial grita, gemendo, segurando o pé. Se encosta na parede para não cair.

FLEURY: Vai, vai embora. Tchau.

Policial sai mancando pela porta, tentando não gemer.

FLEURY, se virando de volta para ANA: Agora imagina o que eu não faço com você.

ANA: Que que cê quer? Não sei mais nada.

FLEURY: Quero ver você morrer, ué.

ANA ri, incontrolavelmente.

FLEURY: Que foi?

ANA, rindo: Foda-se.

FLEURY vai até Ana, segura seu pescoço: Que foi?

ANA, engasgada, ainda rindo: Foda-se.

FLEURY: Vou matar sua mãe também! Fala. Que foi? Tá rindo do quê?

ANA, sem ar, ainda rindo: Foda-se.

FLEURY, gritando, segura Ana com uma mão e tenta abrir a braguilha com a outra: Fala, porra! Que aconteceu?

ANA, ficando vermelha/roxa, ainda rindo: Foda-se, foda-se, foda-se.

FLEURY monta por cima de ANA, ainda estrangulando-a. Quando vai começar a penetrá-la, ANA estremece, convulsiva. Fleury continua apertando seu pescoço, começa a penetrá-la, uma, duas, três vezes, mas o corpo está inerte.

FLEURY, montado por cima do cadáver de ANA, solta o seu pescoço, mas continua em cima dela, sem desencaixar, começa a falar, em tom de cântico: Volta, volta, volta, volta, volta, volta, volta.

Continua falando por um tempinho, imóvel. Por fim, se levanta, fecha a calça. Vai até a porta e sai da sala. O corpo de Ana estremece de novo por um segundo, depois que ele sai, mas continua imóvel.

INT - DIA - Interior de um caminhão da polícia, cheio de armas, drogas, dinheiro, etc. O corpo de Ana está colado à parede com várias camadas de fita adesiva, usando o mesmo vestido, ainda mais destroçado. Sua barriga está aberta por um corte vertical. Dois soldados estufam pinos de cocaína dentro dela, enquanto um homem em vestes médicas espera pacientemente ao lado.

FLEURY, fora de quadro: Vai logo que tem gente esperando.

terça-feira, 18 de junho de 2013

pedaços de coisas

caminha-se em becos
os becos terminam em becos
cada parede esconde outra
a cidade devorada por ângulos retos.

os gritos em pânico sem grito nenhum. silêncio
nas bocas rasgadas.

o carrasco tem amores
seus beijos salivam, sussurram
lambe lânguido as paredes
o carrasco também goza.

o céu não julga
não geme
o céu só dança
o céu não tem o que dizer
esqueçam o céu
o chão quase explode.

braços se desgastam
braços viram traços
linhas estreitas
linhas invisíveis
os braços somem em maus versos.

os olhos não temem
olhos soltos
olhos voam soprando pernas
os olhos são buracos
os meus olhos não são meus.

as pedras
não respondem
o concreto sabe descansar.