quinta-feira, 2 de outubro de 2014

3. a luz infestada, deleite

os pés nus dedilhando o chão
a delícia de sorrir eterna
esparramar sentada em um trono mundo.

Um jardim é um presente
e um refúgio.
E ele corre ensanguentado na grama alta
olhos esfacelados desabando no horizonte
até que as árvores fecham.
(uma cama de flores que engole o mundo)

Um repouso em seio são
todas as horas dobradas
se lavar em lágrimas de quem não pisca.
Os braços dela abraçam o enforcado
o amor é mais frio do que a morte.

Os seus passos de menina
envolvendo o farfalhar
girando, enrubecida
dentes quebram leve o ar.

E
ele se cura renascido cristo
Levanta o corpo remendado forte
o amor é sempre um suspirar de afogados
o amor é mais frio do que a morte.

Ele anda pesaroso procurando um fim
sabendo que o jardim é belo por não ter fim
não quer pedir o caminho não quer colocar em palavras
ela sabe ler em seus olhos a fuga
ela entrega frutos e um beijo e o expulsa
ela sabe chorar com prazer em deleite
ela banha a sua vista dourada
ela sabe da sina dos homens
ela vê o partir pelas costas
ela planta os pés mas tão fundo
ela goza com um grito no rosto.


terça-feira, 17 de junho de 2014

2. a noiva na ponta dos pés

nas histórias certas o céu encosta no chão
e os pés têm segredos.

O segredo dos grilhões: eles dançam
giram e enroscam em gritos -
o ferro é alquímico,
o sorriso de torto -
no canto assobiam
um vento desvendo o deslize.

O segredo do hades: é pouco.
O vasto desfoca paredes.
Um segredo do pouco: expande -
caminha na areia despida
e o que falta são olhos
buscam horizonte nas pedras
e os fundos flutuam.

O segredo do céu: revolta
tropeços não serão qualquer basta
os tijolos já deitam, derrota -
um lugar já se aceita não mais.

Suas bocas lambuzam arestas
Você sonha com passos em seios
Você pensa em trilhas terríveis
Os seus pés distraídos rodeiam -
buscas tristes dos céus que desabam.
Você sabe o que os olhos cobiçam.
Você sabe quais mundos desabam.
Você sabe as paredes que morrem.
Você sabe os traços perdidos.

O segredo dos passos: é solto.
Nossos soltos somos a secura.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

1. prestidigitador

Não há nada mais fértil do que o lodo
e é nos ângulos que vemos saída -
a cada beco
uma sorte
três passos,
o fogo.

Sorriso de malabares
os dentes são sóis saltando.
Os olhos explodem.

Eu rastejo para descansar
De olhos fechados, não há estradas.
Desaprendi o ar.

Um segredo
é
desfazer o mundo.

Meu rosto ressoa
(calado gritante)
em pedras e vácuos.

Meu passo é a palavra
e meu riso o sangue.

O mundo é fantasmas.

quarta-feira, 19 de março de 2014

prólogo, ou 0: um idiota

os dedos azuis de um tolo
despidos dançando em potes
(avisos invisos de não-me-toques )
um cego só vê o seu rosto.

liberdade é carregar o abismo nas costas
dentro de um lençol em bola
deitar-se sobre ele como quem sorri
precipita-se boneco, colibri.

o dorso dele não quebra
dobra, elástico
sorrisos tatuados nas costas.

a jornada não é uma guerra
os passos não são um símbolo
(e o seu corpo não é carne
seus dentes desaparecem
andar é truque, mandinga
saber decompor o gingado
deixar para atrás só o tudo
- nas contas, a soma não bate
os zeros, tão entrelaçados!
só dentes e a estrada vazia
repleta de fantasmas e tropeços).

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

soneto do deserto

o seu rosto dançando em pálpebras
tatuado no fogo, sorrindo
quando piso mais forte no chão
sinto meu peito batendo torto.

os meus braços vão pendendo surdos
são um ato, um verso, uma ponte
os seus dentes quase um trovão
o meu corpo fora do meu corpo.

não olho para o céu: acho feio
e correr é mais do meu feitio
deito os olhos no chão, assombrado.

eu procuro dançar sem mover
desenhando um mapa secreto
pros seus olhos comprarem meu rosto.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

amadurecimento

aos 45 anos de idade ele saiu de casa
sem calçar os sapatos
não foi nada planejado
ele apenas esqueceu
foi apenas quando pisou no chão tão quente
que se deu conta
e piscou os olhos com força
como se o mundo à sua frente estivesse fora de foco
fosse menos real
esfregou os olhos com as costas das mãos
até senti-los arder
mas não funcionou.

refez os seus passos
pensando em como a expressão "refazer os passos" é estranha
mas não chegou em casa
as ruas formavam ângulos estranhos
o sol lhe batia no rosto vindo de todos os lados
as pessoas não trombavam mais com ele
e as paredes não eram boas de se encostar.

tentou pensar em há quanto tempo estava acordado
e percebeu que não se lembrava
nem de dormir
nem de acordar
não conseguia pensar também
no rosto de ninguém que conhecia
nem nos seus nomes
e nem nos grafites no muro de seu vizinho
olhou para as suas mãos e viu calos que não conhecia
e farpas de madeira debaixo das unhas
bateu palmas e sorriu sem respirar.

como orfeu
dedos soltos
olhos vivos
pendeu o corpo
dançando, alto
até ver as suas próprias costas
e poder sumir.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

bolero sem mundo

As suspeitas varrem espaços
os espaços são todo o mundo.
O mundo não me vale nada.
Eu sou mais que o mundo.
O rachado no muro é mais que o mundo.

O compasso das pernas do sem destino.
Sorrisos feios de ricos dançando toscos.
Ressalvas foscas de corpos lá da mentira.
Que vale o tudo?
(que é as coisas
tão tristefeias
não nos merecem
cadê meu túnel?)

Há também os que se derretem, que se entregam sem s'importam, que simportam sem precauções, que mergulham no que vier. Há quem escave incessante visualizando diamantes que não o são. Que se o mundo for 1 será promessa secreta, que se o mundo for 2 será confusão que constrange e encolhimento. Há os que lêem mapas e vêem mundos. Há os mundos que adiam rir. e letras palavras gorgulhos festa na casa do joão! quem visa. percalço.

dedos densos
(pra surpreender
os vazios
é preciso veloz.
não sou mais)
porco prenso
prato pênsil
dedilhados os passos do ar.

sopros novos só vem assim.
Para os novos.
Membros feitos
receitos, assim.
Vive bem quem
assim.

o sorriso dançando
maldoso
os meus dentes
sorrindo
sem mim.