quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

panorama de intenção

era pra demolir isso tudo, o vestido cor-de-rosa voando feito fumaça em cima de uma pedra amarela, oitocentas nuvens girando sem ameaçar de verdade: não tinha mais nada, nenhuma marca no chão, nenhuma cicatriz no meu braço, só um espaço vazio e três fôlegos a mais. eu quero dizer que não sei mais como continuar andando desse jeito, desse jeito eu fui embora, o mundo não estica o quanto precisa e meu dedo vai quebrar - fugi daqui o quanto pude.


"Nenhum lugar que não seja agora"; eu gritei, perderam meu sapato, esquina da vergueiro com não sei o quê, três vans gigantescas em terremoto, duas freiras voando, um raio pergunta um ou 2 e assim não, assim se rasga tudo, eu não sei se terno sei só correr eu beijo mordendo e então João Rodrigues perdeu-se para sempre de sua memória e se tornou como que uma tartaruga colada ao chão em frente ao início da Av. Paulista, sempre inerte e sempre pensando pensar em uma mulher que há muito tempo quebrara sem remorso ou (vejo você sorrindo) coceira todos os seus televisores, e agora ele é só meio - caí em qualquer lugar de mar e paredes comidas onde todos os lados que eu sei ir são velhos e assim arranquei todo meu cabelo e dei pra um velho e você nem se impressionou, invisível, explode uma bomba no coração da nação e eu grito ficção!, mais-que-real-, moderno?, dem-ocr-athico, três djins, um homem que voa perseguido por um tanque de guerra sem piloto, sete mil anos em combate, nenhuma trégua, eu só sei assistir (criar-arsim) e re-pensar, revendo, na hora, interno, só posso recusar, pra sempre, um tapa em quem colocar um dedo em mim, infinitas cores e todas de mentira, eu não sou o status-quo, só às vezes, desculpa, eu só quis um mundo legal pra te engravidar, é egoísmo e fantasia burguesa, e aí meto um tiro na cara e pronto.

só resistindo, a resistência

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

maldição

ele me deu só uma pétala, sem a flor, e disse que assim era mais bonito; eu peguei e coloquei na palma da minha mão e apertei forte e olhei na cara dele e disse que duvidava, mas fui pra perto e beijei, ele foi pro egito amanhã e deixou a chave da casa dele, não consegui dormir de noite só me encostando na parede tentando deitar nela sem conseguir, muito dura, de manhã ligou e disse quantos beijos me devia, eu chorei só pelos olhos e disse pra me trazer areia, ouvi o som de desligar e todos os sons que vêm depois, comi um beijinho e me deu tontura, dormi mas com pesadelo o tempo todo com inundação, acordei com gosto de água de esgoto e vendo ainda minha cabeça embaixo do rio; fui pra casa dele e vi meu reflexo na tv, tomei banho com o xampu dele e deixei a água quente me queimar um pouco, rezei pra ele sonhar comigo e corri, mais tarde, até cansar, até o escuro, voltei e li um jornal velho, ri dos quadrinhos e das notícias, me enrolei num cobertor e fiz feijão, comi no chão e cortei a unha, apertei meu braço até ficar vermelho, sonhei com nuvem e sorriso no ar; ele morreu em uma pirâmide dois dias depois.

domingo, 29 de novembro de 2009

em si

ontem saí de casa e entrei num prédio
cheio de homem morto
eles me perguntaram que horas eram
meu relógio ficou mudo
disse quase meio dia
agradeceram
saí e vomitei
o chão já sujo.

toma cuidado
te meto um murro
prabrir caminho.

vi a tv
vindo lenta
pisquei e era outro canal
duas três vezes
sorriu pra mim um homem loiro
uma mulher feia
de peito feio
(grito na janela)
não tem filhos eu espero
nenhum filho mamaria nisso
tóxico
ela vomita porra
e sorri pro brasil.

já sem sapato
queimando o chão com o pé
puxo o ar tossindo
cheiro de vazio e de fumaça
só uma velha na rua
ela come minha carteira
fujo de patins
deixo meu cabelo de armadilha
ela engasga e tropeça
consigo me esconder.

É UMA TROPA
o céu raio
uma flecha que é um osso de dinossauro
esmaga um poste
TREME
meu prédio sumiu
não me importo
pés milhões na fumaça
gritando revolução
derrubando os troncos e engolindo grama
eles são
verde-marrons
em forma de cobra
andando de quatro.
TRÊS MILHÕES
demáscaras.

cavo um buraco
buraco cavado
entro nele
e furo meu olho
chuto a terra
até abafar.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

p/ &

aquilo é aqui, nós em si.
era um dois sem pesar: um dar as mãos descontrolado, dentre todas as coisas... segurar a gente como se fosse um tufão passando. um perdoar de beijo
mesmo sem erro.
andando deitado com olhos na luz que reflete você. gosto de sentir a água. ondas.
ser dois sem deixar de ser. colocar um chapéu na cabeça e tirar. eu sempre pergunto como levantar as pernas. fomos ao trem só ouvir o barulho.
duas moças passaram e não vimos, só depois. na luz você me disse tchau e voltou. não tava nublado.
um helicóptero que não
fazia barulho nenhum. e cobrir os olhos e sentir o cheiro de gordura. e sentir o enjôo passar. morder.
os dois braços entraram no mesmo casaco. as quatro pernas enrolaram um laço. os vinte dedos fizeram uma trégua. nós
andamos até um semáforo quebrado
mas foi fácil atravessar.
um bater de
asas
ou ovos.
liguei o ventilador e desliguei a televisão
ver você outra.
coloquei o dormir em rodas e fui passando pela estrada sem relógio esperando ficar escuro, mas ainda assim gosto de ver paisagem. um-dois. esticar os cotovelos...
olho-no-olho revirado dois-em-um. aqui assim.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Depende.

Tenho dois óculos. Iguais, no âmago: dois óculos com três graus de miopia, antirreflexo, pretos, se adaptam bem ao meu rosto. Seriam diferentes em detalhes pequenos: um pouco menor, um pouco mais fino, um pouco mais retangular. O outro (mais fino) é novo: de ontem. O grau parece mais fraco. Alguma tontura. Coloquei ele de lado e ela sorri pra mim meio brava. Como se tivesse ficado puta com o fracasso, e fosse embora com as cordas, batendo o pé.
Quando foi, não fiquei surpreso. Encontraria a chave dela na porta e nenhum aviso; perdi.
O estranho seria ela não levar mais nada, só as chaves: agora sobrou, além de móveis, xampu, frigideira e livros-outros, um armário cheio de roupas. Foram inúteis: vestidos e sapatos pequenos.
Não haveria motivo para esse armário: tenho como missão futura criar sentido nessas coisas.
Sempre serei um homem de registros: desde o nascimento de meus dentes até o dia em que perderei minhas pernas, sou ativamente testemunha dos embates de forças de ação/reação que envolveriam minha vida. Um amigo que eu conhecia, certa vez, me dissera, sussurrando, a confirmação: disse-me que eu sabia, apenas: que eu sei, antes que eu o esquecesse.
Se eu conseguir, quando ela sair, já perdi a inação: quisera chorar – só serei reação. Vejo agora pelos óculos novos: jamais seriam iguais aos outros, isso será uma ilusão – foram forjados visando uma manipulação óbvia.
Que seja eu, desse jeito, ferramenta: não me ouçam, façam como se vissem acontecer.
Houve um espaço de mulher e há um armário: eu estava olhando com um olho para cada. Será dito que as coisas têm um destino: eu o forjaria, se assim é o pedido. Com as roupas vem uma responsabilidade: Alice ausente não mais as vestirá. Recebi, portanto, uma nova mulher que habitará esses panos: eu a abracei como a um fantasma – invisível ela seria. Há uma fogueira das crianças na rua – lá no fogo eu queimara os tecidos, já amanhã mais cedo, a memória deixará de flutuar – as cinzas sumiriam não tivessem o cheiro que eu sinto em fechar os olhos. Farei, então, o entrar-em-si: olhava fundo e dei os passos rumo à caixa, me entregarei impassível, seria engolido.
As roupas me abraçam – essa será minha pira funerária – me vestiam me anularam: olhem atentamente para esse desaparecimento.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

travellogue part 1: febril

Agir: correu atrás dela e pediu desculpas. Ela sorriu, sempre sorria. Explica-se: ele hércules vinte cinco arquiteto formado entediado viajou semana passada pra casa da avó com tios e jogou sinuca só duas vezes e perdeu sempre e talvez esteja ficando careca, sexo tímido ela carla vinte cinco arquiteta formada feliz ativa foi pra santa catarina de carona surfar bêbada, sexo agressivo com perna que finge que treme.

Abraços, coisa e tal: o volume de dois corpos, quando abraçados, diminui em média 36%; nenhum filósofo ainda explicou racionalmente o significado disso (que tenha chegado ao meu conhecimento). De mãos dadas, Hércules com calças largas (gordos nunca emagrecem), se beijam de leve [vista do helicóptero, suave trêmulo, se aproximando e circulando, umaproximação] e entram na pirâmide de pernas trançadas em sincronia.

DISCLAIMER: semana que vem, na rue de la campaigne, ocorrerá a Grande FestAnacrônica, onde todos vamos dançar o mambo e fazer sexo britânico. Se eu fosse você eu iria, hein (há a sempre rara chance de encontrar a Mme. Decante - sim, aquela da história extremamente lúdica: moça pobre encontra um cachorro e se tornam únicos amigos e conselheiros da vida, vivendo na rua após terem deixado o leito familiar; em uma noite de trovoadas, enquanto Dr. Frankenstein engole raios, o pobre quadrúpede (ou algum análogo thessáurico qualquer), atordoado por um sonho ruim, esgueira seu focinho monocromático à procura de conforto e acaba acolchoando-se em Isabelle, pré-Mme, que, também sonhando, retribui o contato e acaba Amando-O, amém; o ato é visto por algum passante qualquer (O Rei), que, maravilhado, despeja sobre a já Mme. uma centena de dobrões e a torna outra mulher - o pobre viralata Félix muda de vida e torna-se logo um limpo e belo dogue alemão, sabe-se lá porqual processo, e você pode conhecer essa bela, possuidora do melhor hálito desse lado do planeta Mme. Decante caso vá à festa) bebida de graça.

Continuando: as catacumbas piramidais têm paredes que cheiram a agridoce, fato pouco conhecido. Hércules se aproxima [subjetivamente aos seus olhos] com seu nariz hebreu e aspira a História - Carla suspira percebendo a irreversibilidade do que não pode ser corrigido e beija seu pescoço.

Agora é que vem o pulo do gato: Hércules, como bom homem de bem, possui pudorentas cócegas católicas em todas suas zonas erógenas, principalmente o pescoço, e salta instantaneamente gritando IAU!!!! - exatamente o código esperado pela tumba amarelada: as paredes se movem [acompanhadas de sons de roldanas enferrujadas - pesquisar] intrincadamente e labirínticas destruindo a unidade e os caminhos e o ar parece ser sugado, não há ar para ambos, eles se beijam tentando sugar qualquer vestígio, e então VUSH, entra o vapor e com ele um bando - três [vistas de longe, se aproximando lentamente enquanto elas se aproximam, closes nas bandagens e nas feridas] - de múmias úmidas, mãos purulentas, o hálito explosivo atravessando quilômetros. não há necessidade nenhuma de maiúscula para uma frase dessas:


só um dos dois sobreviveu. continuemos.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Transferência

Deitado na cama, chorou até dormir - sem dar as mãos.

segunda-feira, 30 de março de 2009

brasil

Furacãoneava, girando o meu pescoço em uma pergunta - coisa de cinco mil anos que continuava a pairar depois de cinco segundos de silêncio: 'Vem comigo ou não?'.
Era logicamente linda - me sinto até mal falando. Perguntou sem drama - um sapato amarrado e o outro não, de moletom, cabelo molhado. Perdido em detalhe: a água escorrendo do cabelo pro chão, gotàgota, ela com a mão na cabeça distraída. Não disse nada, só olhou pra mim com mais força - engasguei. Falar disso é por si só estragar a surpresa - tudo e tudo no modo como eu conto isso já indica o decorrer das coisas etc - e é ruim, cinema na minha cabeça reprisando enquanto eu digito - mas parece que é obrigação, correto, necessário - não esquece nunca, isso, agora, promete, eu prometo abraçando com tanta força que é como se meu corpo fosse derreter - e então eu digo que o que eu disse e isso é verdade mesmo porque contar isso não é literatura nem mesmo terapia é só natureza eu digo que o que eu disse foi 'Mesmo?' enquanto eu tentava - inútil, eu já sabia que não adiantava tentar e que nem sabia mais o que fazer nem o que saber e já tremiazava mesmo que não tremesse - reconstituir e entender, como se ela fosse um quebracabeça e não uma mulher.

~

Ela obviamente sorriu - foi quando mais quis chorar ou saltar na direção dela e fugir para a Áustria, pro castelo do meu tio que há tantos anos vazio sem uso agora uma salvação deus ex machina habeas corpus carpe diem amém só fumaça - e não respondeu, não objetivamente, não se responde a perguntas capciosas como essa, ao mesmo tempo infinitamente dúbias e infinitamente retóricas - discursar é falar pouco, ela sabia disso, eu era só instinto, os piores possíveis. 'Era sério?' eu 'Era' ela. Segurei a mão como pude, a pele quente, não sei porque, sempre mais quente que a minha. 'Eu não posso' 'Tudo bem' 'Mesmo?' 'Lógico' '...' 'Você vai ficar bem?' 'Não' 'Desculpa... Eu não posso fazer nada' 'Não sorri assim' 'Queria que eu ficasse triste?' 'Queria que você não fizesse isso' 'Tenta ficar bem?' 'Pára de ficar calma assim! E você, vai ficar bem, porra?' 'Claro que vou' 'Claro que não!' 'Vou sim' abracei e soltei em um segundo. Surpresei: ela veio pra perto e me beijou, bem perto, sem fôlego, pensei em segurar e não soltar e ela soltou. Toque de leve no seio, um teste - sorrir rápido - logo o bote, o XY ataca, no chão, triste, triste, muito triste, sangue e lágrima, lamber desesperado - ela meio resignada, não sei se gostando ou caridosa. Beijalguns e levanta - 'Preciso mesmo', antecipa, eu sufoco. Exita-se sem dizer mais nada, me calo seminu.

~

Engulo em seco a manchete - hotel fazenda explode em atentado de anarcossindicalistas, trinta vítimas e uma mártir. Termino o café cedo.

~

Setecentos mil votos, sucesso - proponho a anistia pòsmortem no primeiro dia, fico sozinho no prédio lotado só ela.

segunda-feira, 16 de março de 2009

fatos reais

dinossauro-mamute
(uh ah uh)

Mariana, Angelina Jolie digital: dez anos, pura, perfeita, halogênica. Trancada no quarto com papai militar, a PF/BOPE/SWAT/INTERPOL esmurra mastodôntica o umbral de cartolina. Papai lambe esmurra rasga cospe mete; risinhos, não, gritos. Salto futuro: que horror, meu deus!, nunca vi nada pior; os olhos de John Smith, serial producer brilhanzinhos - volta! Mariana foge em slowmo - machadada impeditiva, seu crânio esmigalha 1! 2! 3! ; o cérebro gelatinoso vazando (pitching vitorioso - valores de produção e apelo emocional) pinga pinga pinga. Carabrundunguns! papai explode, final feliz, corta!, recorde de arrecadação - todos bebem felizes na barriga do monstro.

segunda-feira, 2 de março de 2009

paraeles toque

e dar as. Não não não as unhas não se cravam isso dói deve ser toque unhas são mortas só a pele é quente e faz você sentir a outra pessoa perto de você em você aqui e as veias pulsando sangue e o sangue evaporando trogloditamente invisivelmente narcisisticamente em um vai e vem, tou de boa, não quero sangue não quero longe frio vazio sem sem sem sem sem três pausas e o trinco na porta olho desconfiado de vampiro urubuzaico dizendo fiquelongeporfavor e ele vai embora carteiro mórmon porteiro pizza pai mãe professor mecânico estendendo sempre a ponta dos dedos e retração, estratégia de arte cor.

o espaço vazio de três mil pessoas gargarejando em cabines dança na sua cabeça sem parar e você só pode perguntar a papai qual é a mesada agora, e ele te paga em iens, depositados no banco de outro bairro, trinta maços, um tanque ou um taco

grito grito pausa grito pausa grito grito grito grito pausa pausa pausa pausa pausa. pausa. pausa P A U S A página trintaenove o telefone enrouquece abaixa a cabeça suor na ponta do lençol esticado um gole talvez de gosto-sal e eu quero um soco dentro de você e as entranhas se sacudindo eu engulo seu corpo todo quando posso quando podia quando pudesse quando poderia se houvesse quando quando nunca quando quando?, rastejei assim lá fora mas porta e outra porta eu grito esbarnecendo cantilongando tresborferindo atriganjendo até que chão dedo esticado olhofecha reabre algumatela susrespiro estatelo sob-revivo mais tarde a campainha simplesmente não mais há

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

outonàvista

fernando morreu. na islândia ninguém viu. père lanchaise vaziou. mas o que é que é é: no meio do degelo, parecia só bonito. ninguém entendeu. ele ainda reclama, tsc tscando, que toda a hermenêutica nem pra aprenderem um pão na chapa serviu. se bem que as possibilidades: analfabetismo à parte, o quase anonimato foi o menos mal. vidacontinua, bolaprafrente, os filhos dele ainda vão morrer, chove às vezes e ainda bem.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Rei morto, rei posto

Era de se esperar da queridíssima rainha do baile algumatitude mais nobrelesca do que tirar os sapatos e sentar-se ao chão e coçar as bolhas rosa-negras e chorar ranho e poça com os olhos sem foco caídos no seu parceiro; a estafa vencedora. É claro que não esperávamos todos que ela simplesmente majestosamente mantivesse-se de pé, planando real, e lançando olhares soberanos sobre todo o resto dos dançarinos, mas aquilo já era muita falta de decoro. Foi, portanto, apenas uma verbalização accional de todos os nossos pensamentos o que se seguiu, deflagrado por Lordlanclot, suposto amante e futuro construidor de uma malfadada máquina do tempo: apalpar os magníficos seios reais enquanto ela se absortava em seu pesar de luto. Por alguns segundos foi a ignorância, a pausa jacobina em que todos observavam afoitos e aterrorizados o sacrílego deliciar-se: esse momento de tempo estático é um dos muitos que explicam a vocação futura do supracitado nas aventuras temporais, diz-se. Foi então a quebralança: o grito da Nobilíssima, uma mistura de ardor sexual apaixonado, refletindo as estranhas reações psicoquímicas que agem em uma mulher enebriada, e incredulidade ofendida, pois não era muito comum o torcer de mamilos nesse determinado reino. Foi o som necessário para reiniciar o baile interrompido tão cardíaca e precocemente: a rumba rolou solta, contaminando os esqueletos de todos, menos o do pobre rei, estatelado no chão e algum tempo depois varrido para os bueiros pelos serviçais mais aplicados e menos interessados nos costumeiros espancamentos oleosos pós-sujeira mal vistoriada. Os círculos de posição demoraram algum tempo para se reestabelecer, é certo, e a rainha não recuperou o gingado tão rápido quanto deveria, mas em tempo recorde (mais uma para Lordlaclot!) alguma mosca-de-chocolate astutamente observadora já poderia perceber, de seu privilegiado paraíso móvel, os concêntricos no salão devidamente reordenados e a energia colorida por eles perpetrada se reestabelecendo. Logo logo todo mundo alcançou o ritmo vertiginoso, a rumba virou valsa, a valsa virou tango, o tango virou merengue e o merengue, é claro, só podia ter se tornado o break infernal de 1973. Chegou-se ao fim, rituais feitos, fertilidade garantida e todos bem suados e tenros, prontos pra vida voltar: vida longa ao rei, hip hop hurra!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Tremores ou Wicca ou Segunda

Ela treme. Ele diz que se acalme, estica a mão - inútil - para colocar no ombro e insiste que não desista. Não vai desistir, só está nervosa. Campainha. Boa sorte desvanecendo. Um último borrifar e sai, porta bate atrás. O outro diz que está linda, sorri envergonhada. Partem.
(a velha bruna que é coadjuvante de suas atitudes
(...)
que segue do além-túmulo ordens de um marido
Um filé de robalo com ervas misteriosas, algum arriscar. O outro diz como se sente oprimido em um mundo dominado por minorias e lobby, ele, que sempre fora um homem correto e comum. Mais vinho, um toque nas mãos... O outro está sozinho desde que a esposa... Ela também.
que em vida e em morte só se importou com suas maquinações
(...)
que por mais que fossem contrárias ao que é comum só serviam para concretizar uma ordem
Entra trêmula de novo, sentindo-se adolescente. O vestido preto brilha, inexplicável. O cabelo ainda é bonito. O outro se aproxima e seus lábios são secos. Ela estica a cabeça para trás e levanta o pé de leve. O outro a abraça. Caem no chão.
que transforma as mulheres em escravas eternas
(...)
que não vêem saída pois foram moldadas em uma conduta
Estão nus no tapete e o outro diz que ela é mágica. Ela enrubesce, e deita-se nele. As rugas são lembranças, diz. O outro dorme abraçado nela, feliz. A parede é cinza de um jeito desinteressante, mas isso vai mudar.
que reflete a vontade masculina mesmo em atitudes teoricamente passionais
(...)
que são na verdade reafirmação do patriarcado
Ela esfaqueia o corpo adormecido do outro e logo faz, com precisão de profissional, os rituais de magia negra necessários para que o fantasma de seu marido, um satanista assassinado por um padre sensato demais, retorne possuindo o corpo do outro. As palavras são logo entoadas e o cadáver ensanguentado se levanta, beijando-a logo em seguida. Os dois se casam no dia seguinte. Ela treme levemente.
e por isso na lua-de-mel ela o matou, dessa vez pra sempre.)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

um castelo

, outros gostam da Habanera, não é uma questão de certo ou errado, são mais dédalos: Sartre e Cortázar sempre foram da primeira opção, o único grupo que os conteve; já Joyce e Friggins penderam mais a Bizet, a herança irlandesa pesando, Friggins, contista mais genial do Eire, menosprezado e subestimado por ser antiquado ou convencional, talvez, mas assim mesmo, se Poe surgisse entre nós hoje, seria ainda bom, não?; Carolina gostava de ler comigo dele 'A Boneca de Mary', o último conto escrito antes de se lançar à Mancha, pode-se ver um pouco de Carmen nesse, de noite, quando estava nua e depois deitar-se em frente à lareira, cantarolando, sereia; mas enfim, foi isso que eu disse a ele antes de finalmente atravessá-lo com a espada e finalmente sentir meus pés no chão, totalmente, a lua brilhando absurda e azulada no meio das sebes, os olhos de meu pai pesados sobre toda a grama perfeita, ecoando nosso último jantar antes da Espanha e seu sorriso ao derrubar a pimenta, o tilintar que fazia ao respirar; quis lhe explicar, um pouco, ao menos, os porquês e os etcetais, juiz e forasteiro, ele sorriu e não sei se concordou, o sol pareceu retorcer, deixei-o caído, os cachorros amanhã etc, os degraus fora de ordem subi ziguezagueando para o quarto esvaindo e não consegui fechar a porta, silêncio

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

vão

disse que gostava de beco porque era escuro, disse que voltava um dia quando fosse hora, disse que não tinha tempo e não era séria, disse que queria mas tinha que ir embora.