segunda-feira, 30 de março de 2009

brasil

Furacãoneava, girando o meu pescoço em uma pergunta - coisa de cinco mil anos que continuava a pairar depois de cinco segundos de silêncio: 'Vem comigo ou não?'.
Era logicamente linda - me sinto até mal falando. Perguntou sem drama - um sapato amarrado e o outro não, de moletom, cabelo molhado. Perdido em detalhe: a água escorrendo do cabelo pro chão, gotàgota, ela com a mão na cabeça distraída. Não disse nada, só olhou pra mim com mais força - engasguei. Falar disso é por si só estragar a surpresa - tudo e tudo no modo como eu conto isso já indica o decorrer das coisas etc - e é ruim, cinema na minha cabeça reprisando enquanto eu digito - mas parece que é obrigação, correto, necessário - não esquece nunca, isso, agora, promete, eu prometo abraçando com tanta força que é como se meu corpo fosse derreter - e então eu digo que o que eu disse e isso é verdade mesmo porque contar isso não é literatura nem mesmo terapia é só natureza eu digo que o que eu disse foi 'Mesmo?' enquanto eu tentava - inútil, eu já sabia que não adiantava tentar e que nem sabia mais o que fazer nem o que saber e já tremiazava mesmo que não tremesse - reconstituir e entender, como se ela fosse um quebracabeça e não uma mulher.

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Ela obviamente sorriu - foi quando mais quis chorar ou saltar na direção dela e fugir para a Áustria, pro castelo do meu tio que há tantos anos vazio sem uso agora uma salvação deus ex machina habeas corpus carpe diem amém só fumaça - e não respondeu, não objetivamente, não se responde a perguntas capciosas como essa, ao mesmo tempo infinitamente dúbias e infinitamente retóricas - discursar é falar pouco, ela sabia disso, eu era só instinto, os piores possíveis. 'Era sério?' eu 'Era' ela. Segurei a mão como pude, a pele quente, não sei porque, sempre mais quente que a minha. 'Eu não posso' 'Tudo bem' 'Mesmo?' 'Lógico' '...' 'Você vai ficar bem?' 'Não' 'Desculpa... Eu não posso fazer nada' 'Não sorri assim' 'Queria que eu ficasse triste?' 'Queria que você não fizesse isso' 'Tenta ficar bem?' 'Pára de ficar calma assim! E você, vai ficar bem, porra?' 'Claro que vou' 'Claro que não!' 'Vou sim' abracei e soltei em um segundo. Surpresei: ela veio pra perto e me beijou, bem perto, sem fôlego, pensei em segurar e não soltar e ela soltou. Toque de leve no seio, um teste - sorrir rápido - logo o bote, o XY ataca, no chão, triste, triste, muito triste, sangue e lágrima, lamber desesperado - ela meio resignada, não sei se gostando ou caridosa. Beijalguns e levanta - 'Preciso mesmo', antecipa, eu sufoco. Exita-se sem dizer mais nada, me calo seminu.

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Engulo em seco a manchete - hotel fazenda explode em atentado de anarcossindicalistas, trinta vítimas e uma mártir. Termino o café cedo.

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Setecentos mil votos, sucesso - proponho a anistia pòsmortem no primeiro dia, fico sozinho no prédio lotado só ela.

Um comentário:

Illyana B. disse...

o ritmo da leitura me remete ao conteúdo.
:/ vou lendo tranquila e aí acontece.
se eu estivesse atravessando a rua, eu deveria ter sido atropelada naquele exato instante...