terça-feira, 7 de maio de 2013

Caçada

Já desgarrado de seus sapatos, continuou descendo a rua. O sol simbolicamente meio violeta despencava sobre o mundo de maneira razoavelmente estúpida, uma simplicidade fingida que não engana ninguém. O asfalto uma esteira ultrapassada sob o seu peso, chiando, distante, disforme. Ninguém em volta - num raio de não sei quantos metros, só as coisas. Agora já podia correr. Não correu.

Não há motivo para pressa quando o tempo é assim. Só pés e passos e saltos e quedas, sem propósito - propósitos são metáforas e as metáforas estão esgotadas e proibidas e inócuas. Inodoras e inválidas. Sua presença um bloco, uma massa. Sua intenção medida em metros por segundo ao quadrado. Ele anda vagarosamente rápido, mãos retorcidas punhos de concreto engolindo a si mesmas, olhos esburacados de tanto observar eclipses. Os eclipses corriqueiros, as joias nacionais.

Das portas estanques pernas. Bocas. Chapéus e garrafas de leite. Os tarados da lei, as palavras deitadas. O retrovisor vazio reflete toda a manada de atos que não passa por lá, todos os gritos que não ecoam, todas as naves que não pousam, e ninguém registra, ninguém está assistindo, há penhascos em todos os cantos. Ele vai correndo mesmo assim, tropeços e tombos. As paredes bolas de fogo jactantes. As coisas não têm coração.

Todos os peças derrubados, amontoados, de orelhas queimadas retorcidas envolvidas em si mesmas. Não jogar o jogo não faz com que o jogo suma, essa é a primeira regra, e ninguém percebeu enquanto lambia os dados sinuosos. Línguas arregaladas entaladas em cus, girando, girando, chaves de fenda cômicas que ninguém sabe usar. Todos os toques de um homem em um só instante e todos os gritos e gemidos espalhados por um deserto imenso que cabe na palma da mão de um idiota, os beijos, os beijos, os beijos, dançando em volta da última fagulha de qualquer coisa, o prazer invisível das roupas vestidas pra sempre, todo um gozo sem libertação. As mãos segurando os ombros para que não caiam, a memória de um parto, o fim dos jardins.

O labirinto é imóvel, imenso e morto. Mas entra nele sorrindo e as esquinas se beijam. As paredes amam o vencedor. Os grafites sinceros imploram carinho. O templo refluxo, indigesto, obeso, inunda os becos. Ele nada como campeão, sereia, submarino. Enfurece as ondas que gemem. Fica de pé sobre a água limpa. Se espalha por todos os cantos e sorri, de novo. No centro no fim do labirinto o minotauro ferido, cansado. Os olhos vermelhos e as mãos arranhadas. O choro de bebê, de gincana. O sexo atrofiado. O entorno de espinhos. O menor toque e os gritos. Mas ele vai e -- não. As costas viradas, o caminho livre. O monstro engatinha. O ar cobiçado. Os chifres quebrados e cheios de limo cavocando o chão. Seus pés leves de fada escapando lentamente enquanto agradece em silêncio. Seu corpo fora morre e vai andando pra longe, seco. Ele, ele sentado no meio das colunas. O homem sorrindo em formato de cruz.