terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

soneto do deserto

o seu rosto dançando em pálpebras
tatuado no fogo, sorrindo
quando piso mais forte no chão
sinto meu peito batendo torto.

os meus braços vão pendendo surdos
são um ato, um verso, uma ponte
os seus dentes quase um trovão
o meu corpo fora do meu corpo.

não olho para o céu: acho feio
e correr é mais do meu feitio
deito os olhos no chão, assombrado.

eu procuro dançar sem mover
desenhando um mapa secreto
pros seus olhos comprarem meu rosto.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

amadurecimento

aos 45 anos de idade ele saiu de casa
sem calçar os sapatos
não foi nada planejado
ele apenas esqueceu
foi apenas quando pisou no chão tão quente
que se deu conta
e piscou os olhos com força
como se o mundo à sua frente estivesse fora de foco
fosse menos real
esfregou os olhos com as costas das mãos
até senti-los arder
mas não funcionou.

refez os seus passos
pensando em como a expressão "refazer os passos" é estranha
mas não chegou em casa
as ruas formavam ângulos estranhos
o sol lhe batia no rosto vindo de todos os lados
as pessoas não trombavam mais com ele
e as paredes não eram boas de se encostar.

tentou pensar em há quanto tempo estava acordado
e percebeu que não se lembrava
nem de dormir
nem de acordar
não conseguia pensar também
no rosto de ninguém que conhecia
nem nos seus nomes
e nem nos grafites no muro de seu vizinho
olhou para as suas mãos e viu calos que não conhecia
e farpas de madeira debaixo das unhas
bateu palmas e sorriu sem respirar.

como orfeu
dedos soltos
olhos vivos
pendeu o corpo
dançando, alto
até ver as suas próprias costas
e poder sumir.