sexta-feira, 28 de outubro de 2011

o diabo, certamente

o diabo sentado à mesa
espera paciente a sua água
bebericando um vinho mediano
olhando o mar se desfazer.

o diabo joga ping-pong com a canhota
para dar alguma chance
à menina de sorriso torto e sapatilhas
(o navio singra sem se importar).

o diabo se despede
com elegância
de um amigo.

o diabo lê os jornais de hoje
como quem procura algo
mas é mentira:
apenas lê
os jornais de hoje
e ri do que há para rir.

o diabo, ao caminhar,
não pensa em nada.

o diabo: enfadado com a televisão
faz aparecer um programa melhor
com o poder do pensamento.

o diabo não se pronuncia
quanto aos planos de um amigo -
silencia impassível como um portão.
observa o rapaz se afastar
e enxerga desenlaces
(mesmo os becos às vezes dão à luz um final bom).

o diabo reza
à sua maneira
e pede favores que ele já esqueceu.

o diabo
pensa o mundo
com as mãos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

impressão de um rei deposto

um sol entrelaçado
não diz palavras doces.
um sol entrelaçado
não ecoa.

olhar os dedos vibrantes
perceber que isso não é um sonho.
isso não é sonho.
as regras do jogo
as regras do jogo são as mesmas de antes.

o seu olho se projeta
espe(ta)cular
e mente pertinentemente sobre a grama.
(a grama não cresce enquanto você olha
a grama morre todo dia)

ser outra pessoa é sonho de prometeu
mas não importa o quanto você se queime
por baixo da sua pele só há mais pele
e por baixo dessa pele
fica o outro lado: nada.

por isso olhar longe
e se ver
mãos desconhecidas
um passo que pousa às costas.

um velho cujo olho treme
desaparece antes de aparecer
luz de truque
uma coluna de ar muito estreita pela qual se pode ver
uma orelha desconhecida e impressionante
e surda.

marchar dançante rumo a um lago seco
e observar a luz secar
e cegar peixes de memória.

o homem vai
deixar os pés sumirem
rumo a um olhar que quer
destronar um chão.