quarta-feira, 9 de novembro de 2011

phantasmagoria

os fantasmas violentam o passado

com braços soltos despregados
os olhos de vinil d'um tigre
esmagam afobados o caminho:
as ruas nunca se fazem de lei.

um bloco de vazio
talhado feito mar
um galope de senão
visto em risada má.

há passos na pedra
os pés de um pânico
que atravessa
pão
a
pão
os braços dados de amantes mortos
que ainda não sabem que já morreram
e por isso mantém eretos esqueletos esfacelados
que logo se tornarão arquitetura.

as sombras sem sombra percorrem as ruas
violando túmulos esquecidos e riachos invisíveis
botas pesadas que escoam pelo chão.

as cidades que lambem suas pálpebras
lagartos de veneno macio.

eu vivi pompéia no vento
e locarno no alto
e medina na cruz.
e perdi
devagar
os mapas
e
as ruínas
com cuidado
avancei
trieste
cruzadas
foguetes
errados
aquedutos
perecer.

defora do mercado
prossegui
exaltado
a procissão.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

o diabo, certamente

o diabo sentado à mesa
espera paciente a sua água
bebericando um vinho mediano
olhando o mar se desfazer.

o diabo joga ping-pong com a canhota
para dar alguma chance
à menina de sorriso torto e sapatilhas
(o navio singra sem se importar).

o diabo se despede
com elegância
de um amigo.

o diabo lê os jornais de hoje
como quem procura algo
mas é mentira:
apenas lê
os jornais de hoje
e ri do que há para rir.

o diabo, ao caminhar,
não pensa em nada.

o diabo: enfadado com a televisão
faz aparecer um programa melhor
com o poder do pensamento.

o diabo não se pronuncia
quanto aos planos de um amigo -
silencia impassível como um portão.
observa o rapaz se afastar
e enxerga desenlaces
(mesmo os becos às vezes dão à luz um final bom).

o diabo reza
à sua maneira
e pede favores que ele já esqueceu.

o diabo
pensa o mundo
com as mãos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

impressão de um rei deposto

um sol entrelaçado
não diz palavras doces.
um sol entrelaçado
não ecoa.

olhar os dedos vibrantes
perceber que isso não é um sonho.
isso não é sonho.
as regras do jogo
as regras do jogo são as mesmas de antes.

o seu olho se projeta
espe(ta)cular
e mente pertinentemente sobre a grama.
(a grama não cresce enquanto você olha
a grama morre todo dia)

ser outra pessoa é sonho de prometeu
mas não importa o quanto você se queime
por baixo da sua pele só há mais pele
e por baixo dessa pele
fica o outro lado: nada.

por isso olhar longe
e se ver
mãos desconhecidas
um passo que pousa às costas.

um velho cujo olho treme
desaparece antes de aparecer
luz de truque
uma coluna de ar muito estreita pela qual se pode ver
uma orelha desconhecida e impressionante
e surda.

marchar dançante rumo a um lago seco
e observar a luz secar
e cegar peixes de memória.

o homem vai
deixar os pés sumirem
rumo a um olhar que quer
destronar um chão.

terça-feira, 12 de julho de 2011

ela me

que ela me disse
tudo que ela me disse
me disse
que tudo
que tudo
tudo que
ela me disse
que tudo que
tudo que disse
tudo que ela
tudo ela que
tudo ela disse
tudo disse
ela disse
ela me
tudo.

e os nossos corpos não são mais
os mesmos.

disse e foi.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

a morte não é só isso

toda vez que eu quero me ver eu me vejo fraco e por isso eu sou humano