quinta-feira, 2 de outubro de 2008

notas sentimentais de uma crise passada (previsão)

Está faltando um pouco de





AR





,
seria uma boa maneira de tossir. Queria saber de boas maneiras. Hoje o jornal foi de
matar, mesmo, parecia um jab cinza.

CH-CH-CH-CHANGE
é o grito de guerra
de quem não gosta de gritos? É complicado ser grito no país do silêncio.



EDITAL CONTEMPORÂNEO URGENTE

No Centro Acadêmico Elétrico Beijo, da UNFP, parece ter começado tudo. É talvez um alento àqueles que sentem serem muito mais vívidos do que vividos, um frescor irritante de quem nunca viu acontecer. Nós estamos vivenciando
quedas aterradoras
que parecem não ter fim
e a falta de reação geral é será
algo para se preocupar talvez mais
do que com a própria crise, pergunta-se.
A partir de hoje, só é permitido àqueles que se preocupam se alimentar de MAIOnese.



não sei mais gritar/a partir de hoje é necessário que você seja o grito/pegar nas coisas é pouco/dizer é pouco/eu sou pouco/mas não pra sempre/isso seria impossível/por mais que por enquanto seja um silêncio absurdo/mesmo com o fim do mundo anunciado e cheio de flashes divulgado pelas maiores empresas de propaganda do país/desabando/e as eleições que parecem ter chegado ao extremo de tudo que pode ser chamado de extremo/no domingo/ainda assim silêncio/mas não pra sempre/"hoje são dois anos atrás"/você ouve alguma voz dizendo algo que faz gritar/o grito e não você/realismo impossível/é necessário ser o grito/está por aqui abolido

INTERLÚDIO MUSICAL
obrigado

eu diria a você
que não somos mais só dois
três mil
muito mais
nunca iguais
e só assim posso ser com você
sem ser
sem amanhã
amanhã é sempre ontem
nós somos hoje.

apresentado pela pasta de dentes sabor cevada Skolgate
FIM DO INTERLÚDIO

o sono/daqueles sem sono/porque o sono dos sem sono/é só um jeito de quem tem sono/não conseguir o sono/que merece/e no sono/não se grita/não de verdade.


Eu não sei mais ser longe, incapacito-me. Não sei mais me atrancalhar em cabines e pedir baixinho alguma coisa ou em quartinhos dizer baixinho o que acho, olhando através de periscópios complicados como o mundo é complicado. Não sei onde meti minhas chaves e desaprendi tudo isso que precisava.


"É como uma aposta", sussurrou, amarrado, enquanto o cientista de costas apertava seus botões. "Só que se eles perderem, você tem de pagar." O raio laser começou a descer de aranhas esmagadas no teto que tentavam inutilmente cantar alguma coisa antes de morrerem, o cheiro de (aço/sapato) queimado dançando por aí e o repórter, depois de ajeitar a gravata, anotou em um caderninho, enquanto olhava o corpo carbonizado só em alguns pedaços mas ainda (rindo/gritando), que "é contra interferências estatais na economia", ora aqueles fãzinhos ficariam surpresos em saber como seu (ídolo/líder) era diferente do que se esperava.

Tudoqueeuqueroéqueessacidadeacabelogoantesquetudoqueagenteacreditavirecidadeevireoutracoisasempreoutracoisasempremasnuncaacoisaqueprecisaseréassiméassimetudoissoépassadodesdesempreascoisastodasquemecansamdemaiseusóqueriaenfimalgopravivereserserá?

Inequivocadamente nós esperamos algum tipo de vento, ansiosos, sabe-se lá o quê. Tudo que eu digo são preces, apenas, de que chegue. Então:
- aos jovens que resolveram correr a América toda oferecendo pão a banqueiros, digo, certo?!
- ao senhor subsecretário de um dia pro outro convertido em pagão
- aos dez milhões que estavam lá
- ao homem desconhecido que desenhou o bigode gigante na Estátua
- aos nãomarxistas, nãoliberais, nãopacifistas, nãofascistas, nãoanarquistas que organizaram a festa na Paulista e cantaram com as próprias bocas
- a quem (não) é razoável
- aos cartaginenses, troianos e armênios
- aos estudantes deslivrados que mascam chiclete vermelho
- etc


AO EGHORIA

Paulanda calma, eraora de aula, já, mas correr não. Encontra algum amigo de uma amiga no caminho que diz oi e comenta você se lembra daquela festa na casa do Fernando você não achou por acaso um isqueiro com um kanji que dizia Sapo, era do meu avô e eu perdi e é ruim, e não, não lembro da festa, desculpa, tou atrasada, tudo bem, me dá um cigarro, só, e dá, afinal, é a ética. Anda mais alguns passos até se afastar e continua andando até que o mundo começa, inesperadamente ou não, a ruir. Rachadurazinhas e rachadurões se separam no chão e logo um buraco engole Paula. Ela cai aliceana por alguns dias até chegar ao fundo, fofo e aquoso, e lá de baixo ainda dá pra ver lá em cima. Centenas de criaturinhas estranhas, com patas em número ímpar e elevado, a cercam, e logo começam a subir por seu corpo e beliscá-lo, mordê-lo, chupá-lo e deixar marcas, coceiras e alguma dor não insuportável mas bastante incômoda. Incomodada, Paula se levanta com dificuldade e vai andando até algum lugar mais iluminado, enquanto sacode as pernas e joga alguns bichinhos longe. No lugar iluminado há uma pedra redonda, bem trabalhada, um disco plano de uns 3 metros de altura e uns 8 de raio, e em cima do disco há um touro. Ela pergunta ao touro qual é o seu nome e o touro responde Hepatite, e ela não ri. Alguns dos bichinhos que ela jogou longe começam andar até o disco, logo o estão escalando e logo estão nas patas do touro que, mesmo sem polegares, os leva à boca e, sem mastigar, engole, e é um senhor touro, quase um sapo, e ele diz que é o Senhor. Paula não responde nada por algum tempo e então diz ao touro Senhor Hepatite o senhor é muito bonito, gostaria de me possuir e ele gagueja e diz que c-c-claro, quem não gostaria, porque Paula é muito bonita, e os bichinhos levam Paula ao topo do disco e ela se deita no chão e espera, mas o touro hesita, hesita, hesita, e quando ela se levanta para ver o que há de errado ela descobre que o touro é na verdade um boi; logo em seguida todos os bichinhos começam a gritar furiosos e eles mesmos jogam o boi amarelo lá pra baixo e comem sua carcaça em poucos segundos. Paula olha pra cima e vê que há uma escada e ela pode subir mas olha pra cima e também vê que parece que lá em cima as coisas estão ruins, algum incêndio e uns gritos, e decide ficar lá embaixo.


um dólar hoje é dois dólares
o não-tempo é um bom sinal
eu saio e respiro tão fundo
os rostos das pessoas são absurdos
é absurdo que eu não os tenha visto antes
e não compreenda nada de nada
a rua parece tão vazia
no meio do mar de gente
os casacos me cobrem
casacos a mais
quando chego em casa tiro o casaco
ainda não respiro direito
qualquer dia volto pra rua
nãosozinho
que aí respiro melhor no meio da gente.


E eles entenderam tudo errado, não é revolução e depois parar, porque parar pressupõe revolução, é revolução e depois revolução e depois revolução, sem parar e sem saber como vai ser, tem de ser assim, em todas as pessoas e em todos os lugares, mesmo que comece com três e meio ou onze terços, impossivelmente razoável é como querem que seja, não pode mais, e eu espero que eu deixe de ser prece e comece a ser relato, porque a hora não se sabe quando é, eu só acho que é agora, sem nenhuma certeza, porque não podem mais ser certezas, que elas são outra coisa, e nós somos outra, e eu espero que amanhã eu seja não hoje, que esse será um bom sinal, escrevendo assim escondido mas com a janela aberta, nós queremos todos ser jesus, porque um só não foi o suficiente e agora nós sabemos tanto mais do que sabíamos na época, a anátema é irreversível e paradoxal, nós somos nós mesmos todas as anátemas porque só de fora você pode ser outra coisa, são Palavras sem fim que engolem qualquer coisa e nós esperamos que elas regurgitem tudo que precisa ser regurgitado, nós lemos e esquecemos os jornais e vai ser.

NÓS SOMOS O GRITO
(pretenso grito futuro)


- cadernos perdidos reeditados em colagem, etc e tal. o passado se refazendo é besteira, mas algo por aí... é só uma falta de fogo que talvez me afete melancolicamente e então as epifanias encontram terreno fértil para serem inevitáveis e chatas -- mas ainda quero sair, acho, e qualquer coisa do tipo... a gente vê, sempre, a gente vê...

5 comentários:

Anônimo disse...

Dziga Vertov:

"O CAMINHO É TERCEIROMUNDISTA!"

Clementine disse...

Uma das melhores coisas que você já escreveu! (ou eu estou muito gay, o que justifica o fato de eu ter chorado enquanto lia.)

AR = a partir daí, tudo é apresentado, e, no fim, se encaixa, de uma maneira bizarra.

"É complicado ser grito no país do silêncio." Mais complicado ainda é poder escolher/ter o direito de gritar e ficar em silêncio, (e depois ter a consciência tranqüila para reclamar de impunidade!).


"A partir de hoje, só é permitido àqueles que se preocupam se alimentar de MAIOnese."

Maio de 68... precisamos mesmo nos alimentar para, enfim, revolucionAR. Porque, caramba, nós temos conhecimento (não, não falo de conhecimento catedrático, falo do visual/vicencial, mesmo), e, já dizia Che que "o conhecimento nos faz responsáveis". Sejamos responsáveis, gritemos, pois se não o fizermos, as pedras o farão! Conquistamos o direito de gritar, mas o que fizemos com ele?



Os momentos epifânicos, envolvendo a Paula (Alice? Todas as pessoas revolucionárias são, guardadas as devidas proporções, Alices), me deram, de certo modo, uma sensação de "País das maravilhas ao avesso", que depois me pareceu o "olimpo às avessas", com o 'aparecimento' de Zeus (o touro), e aí Paula já deixou de ser Alice para ser Europa. E aí eu já comecei a visualizar as "pragas do Egito", e viajei, viajei, viajei...


E aí a situação fica mais crítica. Os refúgios estão contaminados pelo silêncio, está tudo virando um abismo. A escada que leva ao arco-íris e ao tesouro que fica o fim dele, parece mostrar que "lá em cima" a situação não está boa, também. Será que é porque é hora de "quem está embaixo ir pra cima e quem está lá em cima descer"? (ok, sem via[da]gens marxistas!)Acho que tudo isso está acontecendo porque as pessoas não querem gritar...

Ok, eu páro por aqui. Esse comentário já está gigante (e gay!), mas reitero o que disse no início, adorei o texto. É a melhor (ou uma das melhores!) coisa que você já escreveu.

Jimmy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

uau cara muito sagaz

Cidadão ³ disse...

e aí Paula já deixou de ser Alice para ser Europa