sábado, 6 de outubro de 2012

palavra carne

dizem que eu sou desfigurado
pois me falta um pedaço
mas hoje já não sei de quê.

pode ser de perna
ou de pescoço
ou de asa pênsil.
ou de mal-a-cor.
não vou perguntar.

pode ser a minha alma
não vou perguntar.

posso ser incompleto por sem pai
ou incorreto por sem pés
infalível por sem rumo
incorreto por sem mim.

o arrastar-se
tentativo
pelo shopping
traz cansaços
exclusivos
dos zumbis:
sobrancelhas cenográficas de homens que não sabem rastejar mas aprendem para sempre e desaprendem a parar e então.

esse é um canto sobre mim:
os meus braços e os meus peitos e o meu choro
os meus olhos marejados e vazios
meu orgulho alexandrino de quem s'expõe
o troféu super bonito do homem-arte.

que lindas minhas cicatrizes do sem futuro!
que incríveis as minhas dúvidas de quem está longe do amor!
que nobres os meus sussurros do semi-órfão!
que acadêmicos os meus gorfos do acadêmico consciente
da própria palavra
sobre a própria palavra
a própria palavra
um artifício
uma lama
technicolor.

sucesso: se apagar
na honestidade!
desistir de seu sujeito em qualquer rima
que importa se eu lamento qualquer coisa?
minha poeira me justifica via soluço
e o soluço gravado em 44hz
dá conta
(a patética tentativa de salvação-destruição-libertação
via cataclisma do poema
é só mais mar.)

velejo:
o meu amor
transatlântico
agora náufrago
raiz fonema
bem arejada
de uma tragédia;
o meu pai
apodrecido
um flashback;
as aventuras
que pensei
ter perecido
varandas
camomilas
verbos quaisquer.

qualquer grito
quiçá pedido
encarnado
(ou impresso
cruel-macabro
em sangue nu)
agora assume
mais-que-verdade
suas cordinhas
de marionete ridícula sem propósito patética horrível
negação.
meu testamento
(cabe em dedal)
poema-fim
e
também
mapa pra gente fugir.

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