sábado, 6 de outubro de 2012

todos os males as cores: vermelho

Os passos de quem caminha são outros dos de quem anda: não é a resposta simples de que contemplam ou observam ou mesmo rastejam, a definição é mais metafísica e mais triste: os passos de quem caminha doem, cada pé-pós-pé uma chaga quase cristã, uma lágrima complicada. Quem caminha sofre, sem entender muito bem porque. E era isso que Isabela fazia, caminhava sem entender direito, nada.

Entender: Isabela, pernas confusas, na praça. Grandes paredes sonolentas desabando eternas sobre um chão cavado, escavado, ingrato. E o olho de Isabela: incauto.

Suas pernas-e-mais-pernas seriam um dia um mapa, que quer dizer história, que quer dizer memória, que quer dizer terror - mas agora só plantadas, ancoradas no meio da praça, bandeira complicada de um não-país sem procurar colônias: um pequeno espaço de.

É isso que ela fez: moveu. Os olhos de Isabela perderam suas presas e foram levados para outras, praça após praça, metro após metro, mundo após mundo. É de saber: Isabela, aventureira. Isabela, âncora cinética. Isabela, sem saber.

Compreendamos: Isabela viaja pois rejeita (ou melhor: teme, abomina, exorciza) a história de sua vida;: a história de menina boa bela rica linda cheia feita sempre que anda por aí cautelosa & casa & deita & cuida & doida & morre - Isabela quer cumes e vales e bombas. Por isso caminha. E por isso aqui: numa praça sem nome onde sempre acabam as gentes cujas histórias viraram esquisito.

É preciso descrever: é preciso sentir: é impossível sentir: é preciso dizer: nesse instante (que é eterno) Isabela dá seus primeiros passos (os mais primeiros de todos) no meio da praça viajante, e cada passo é uma espada nos seios, um rasgar do ventre que traz ao mundo não só sangue, mas também dor: não só ela dói, também pare dor, dor que nasce, vive e morre, dor crente e sangue, e cada passo uma chaga aos pés, cada metro um apocalipse, rastejando altiva sem parar de sorrir, suas bochechas vomitando bruxas, o povo em volta a aplaudir, e um corpo chora sem olhos ou nariz.

Avaliemos: Deustodopoderoso, capaz das mais incríveis canalhices, proibiu as milagreiras. Proibiu as curandeiras. Proibiu as melindrosas. Renegou as montanheiras. E então é claro, sem palavra ou pensar: Isabela malsucede.

Véu-cobrir: sua carcaça em podridão, Isabela recusa. Os lenços e vídeos. As palmas e moças. Corre com vontade, pra longe. Pra sempre.

perde. cai. erra.

A moça: encena travestida suas danças. É claro que será por sempre eterna: delira pela areia sempre só sangue. A pena irrestrita indiscutível: sambando vermelhecida sem vontade.

Um comentário:

caio.gabriel disse...

ao fim da narrativa, a obrigação do começo da narrativa (e aí o texto tem tempo, tem volume, tem escrita, e não só voz): Os passos de quem caminha são outros dos de quem ainda.

"é impossível sentir: é preciso dizer":

obriga a rotação da leitura, bom.