domingo, 8 de dezembro de 2013

a história, de fora

os dedos do homem dormindo
também são de Bach
enganam carne, ossos, tempo
flutuam igual.

sábios que salvam jovens
sabem sobre espaço curto
o sábio é quem desiste.
o sábio lamenta, ou não é.

os meus corações são de pisar
ladrilhos, quadrados, mortos
são sorridentes mortos
respondem impossíveis, pontes
eles respiram feio.

as tropas de toda a glória
os passos que esmagam história
os braços forjando memória
existem para não existir.
são fumaça.

o meu amor é torto
feio, velho, morto
deseja o passado falso
corteja o invisível, o escape
se esconde em becos, fracasso
e por isso se lambuza, sublime.
o meu amor é agora.
mais do que todos os saltos
ele não se devora.
o meu amor desmorona
de olhos abertos.

e nos campos desnudos
inférteis, bocas de ponta cabeça
só a minha voz desliza
o mundo são os gritos de alguém.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

há buracos confusos na terra

o que meus olhos fazem é não respeitar
poços saltados terra batida.
Eu comi as minhas bochechas com azeite
no sol, sem sombra, sorrindo.

(meus sorrisos de maré não são tão falsos:
profetizam o seu chão.
E você derruba
a si mesmo
(não importa se é sonho)
os meus dentes ofuscam o seu olhar.
O eclipse vibra.)

Andar rumo ao sol
como se portasse majestade
não há respostas a pés que não pousam
não há paredes.

Um buraco todo preenchido de buracos preenchidos deitado
falta de educação ficar olhando.
todos os prédios do mundo são 60% alcaçuz
nunca choveu.
Quem consegue correr voa.

Nuvem não vê porque nuvem vive
e um moço pisa chão por chão
até o chão ser
fosso
e um salto, olimpíada.

Eu ando invisível entre as árvores do paraíso
eu penso (proibido) nas paredes do moço de mãos grandes
eu expiro as valsas; não há mais passos.
Eu mostro os vales, eles não vêem.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

a herança de adão

Maremoto, perdigoto, expulso:
meu corpo já perdeu o seu valor.
(escava-se imundo qualquer osso)
Olha! (esperança) má cruz (horror).

as bocas já tão perversas (amor)
prosseguem e processam (são banguelas)
os tais beijos de lábios (cor de rosa)
tão mortos, já sonhos, outros? (suspiros).

do chão se desescavam irrequietos mas sem pressa as mãos indelicadas
o chão é fértil para tudo: para a coisa: para a
desaparo insuspeito dissoluto e.

Os olhos de novo aves da terra;
e você. Você vê as paredes como nuvens.
O mundo se explode - eterno seu.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

enfarto

um peito que explode feito mundo
corrida faz forçar, feição
eu ando assim faz assim

o amor que eu tenho sem língua
o meu peito explodindo
o meu grito não é palavra

sorrir já é pedir desculpa
ana corre sem chão sem ar
os nossos braços tão soltos

jagunço lento não segundos
sol de nuvens tão tão lentas
uns gritos seus vão magros

olhos meus são suas palmas
meu peito mancha nossos pés
eu amo com as mãos assim.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

sobre heroísmo

a tinta é lenta
sem tempo de dedos.

meu vulto é vazio
buracos, espaços, vento
saltar sem olhos
trincar paredes.
sou soco nas coisas.

frestas duras se derramam
gestações, valises falsas
luz de frio de duvidar.

berros, mas são de manteiga?
zeros distantes já vão
a cara duvida do gozo
o bloco sem fim
não chão.

o moço no pilar se dependura
abisma-se sumido sobre o.

dedos dança dois
o punho avan

sorrisos e amores
verbo mundo agora
comunhão
procu
fa
já?

o rosto lança
chacina, lindo
o rosto despe
o rosto
o esboço pobre
remendo, trancos

eu aliança
eu destronado
eu não avança
eu e?

lugar.

buraco triste
o mundo engole.

terça-feira, 25 de junho de 2013

o delegado fleury e sua fleuma, um pedaço de niilismo sem sentidos

INT - DIA - Quarto de paredes pintadas de cinza, 3 delas impecáveis/intocadas, 1 delas desgastada, marcas de unha, manchas, etc. Em uma das paredes, um quadro com o rosto enorme de "Mickey Mouse" pendurado. O chão é uma reprodução em azulejo do calçado estilo "estado de São Paulo". A porta está trancada com uma barra de ferro. Um ventilador desligado está jogado no chão, de ponta cabeça. Dois cones de trânsito estão encostados em um canto. Ao lado deles, um baú, aberto, com algumas cordas, cabos e algemas dentro. A única lâmpada iluminando a sala está coberta por celofane vermelho. Sentada no chão, encostada em uma cadeira, está ANA. De pé, em frente a Ana, está o DELEGADO SERGIO PARANHOS FLEURY, ou apenas DELEGADO FLEURY. Ao seu lado está outro POLICIAL, não nomeado. Ana usa um vestido azul rasgado na altura da barriga, sem sapatos. Fleury usa camisa florida, calça jeans e sapatênis. O policial veste farda.

Ana cospe no chão, entre um escarro e um princípio de vômito. Se apoia na cadeira e ela tomba para o lado; Ana quase cai mas consegue se manter sentada. Fleury olha para ela com olhinhos apertados.

FLEURY: Tá cuspindo em mim?

Ana cospe de novo, um pouco de sangue agora.

FLEURY: Tá de brincadeira. Não é possível.

ANA: Não tô passando bem...

FLEURY: Porra, o sapato é novo. Que sacanagem.

ANA: Nem pegou no seu sapato.

FLEURY: Cala boca, vai. Cê tá enxergando direito? Não tá, né? Fica quieta.

Ana se estica, tentando se alongar, colocando os braços para trás. Imediatamente o policial saca a arma e aponta para ela.

POLICIAL: Mão pra frente! Mão pra frente, porra!

ANA: Que que eu tenho escondido aqui? Cês me trouxeram pelada. Não tem nada aqui dentro. Que que tem escondido?

Fleury ri, sozinho. 

POLICIAL: Mão pra frente, agora!

Policial atira para cima, uma vez. Fleury dá um chute na cara de Ana. Ana cai pra trás.

FLEURY, se virando para o policial: Caralho! Quer me deixar surdo? Guarda o berro aí. Que cê acha que ela vai fazer? Tá morta já.

Policial guarda a arma no coldre. Ana geme caída no chão.

FLEURY: Ela tem tesão. Viu? Sabe que vai morrer e fica com tesão. Te falar, não tem uma até hoje que não ficou com tesão quando tá pra morrer. Acho que só fazem essas merdas pra ver se vem parar aqui.

ANA, ainda deitada, sem tentar se levantar: Cala sua boca.

Fleury ignora e dá as costas a ela. Vai até o policial. Pega a arma do coldre do policial, que não reage. Aponta a arma para o pé do policial e atira. Policial grita, gemendo, segurando o pé. Se encosta na parede para não cair.

FLEURY: Vai, vai embora. Tchau.

Policial sai mancando pela porta, tentando não gemer.

FLEURY, se virando de volta para ANA: Agora imagina o que eu não faço com você.

ANA: Que que cê quer? Não sei mais nada.

FLEURY: Quero ver você morrer, ué.

ANA ri, incontrolavelmente.

FLEURY: Que foi?

ANA, rindo: Foda-se.

FLEURY vai até Ana, segura seu pescoço: Que foi?

ANA, engasgada, ainda rindo: Foda-se.

FLEURY: Vou matar sua mãe também! Fala. Que foi? Tá rindo do quê?

ANA, sem ar, ainda rindo: Foda-se.

FLEURY, gritando, segura Ana com uma mão e tenta abrir a braguilha com a outra: Fala, porra! Que aconteceu?

ANA, ficando vermelha/roxa, ainda rindo: Foda-se, foda-se, foda-se.

FLEURY monta por cima de ANA, ainda estrangulando-a. Quando vai começar a penetrá-la, ANA estremece, convulsiva. Fleury continua apertando seu pescoço, começa a penetrá-la, uma, duas, três vezes, mas o corpo está inerte.

FLEURY, montado por cima do cadáver de ANA, solta o seu pescoço, mas continua em cima dela, sem desencaixar, começa a falar, em tom de cântico: Volta, volta, volta, volta, volta, volta, volta.

Continua falando por um tempinho, imóvel. Por fim, se levanta, fecha a calça. Vai até a porta e sai da sala. O corpo de Ana estremece de novo por um segundo, depois que ele sai, mas continua imóvel.

INT - DIA - Interior de um caminhão da polícia, cheio de armas, drogas, dinheiro, etc. O corpo de Ana está colado à parede com várias camadas de fita adesiva, usando o mesmo vestido, ainda mais destroçado. Sua barriga está aberta por um corte vertical. Dois soldados estufam pinos de cocaína dentro dela, enquanto um homem em vestes médicas espera pacientemente ao lado.

FLEURY, fora de quadro: Vai logo que tem gente esperando.

terça-feira, 18 de junho de 2013

pedaços de coisas

caminha-se em becos
os becos terminam em becos
cada parede esconde outra
a cidade devorada por ângulos retos.

os gritos em pânico sem grito nenhum. silêncio
nas bocas rasgadas.

o carrasco tem amores
seus beijos salivam, sussurram
lambe lânguido as paredes
o carrasco também goza.

o céu não julga
não geme
o céu só dança
o céu não tem o que dizer
esqueçam o céu
o chão quase explode.

braços se desgastam
braços viram traços
linhas estreitas
linhas invisíveis
os braços somem em maus versos.

os olhos não temem
olhos soltos
olhos voam soprando pernas
os olhos são buracos
os meus olhos não são meus.

as pedras
não respondem
o concreto sabe descansar.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Caçada

Já desgarrado de seus sapatos, continuou descendo a rua. O sol simbolicamente meio violeta despencava sobre o mundo de maneira razoavelmente estúpida, uma simplicidade fingida que não engana ninguém. O asfalto uma esteira ultrapassada sob o seu peso, chiando, distante, disforme. Ninguém em volta - num raio de não sei quantos metros, só as coisas. Agora já podia correr. Não correu.

Não há motivo para pressa quando o tempo é assim. Só pés e passos e saltos e quedas, sem propósito - propósitos são metáforas e as metáforas estão esgotadas e proibidas e inócuas. Inodoras e inválidas. Sua presença um bloco, uma massa. Sua intenção medida em metros por segundo ao quadrado. Ele anda vagarosamente rápido, mãos retorcidas punhos de concreto engolindo a si mesmas, olhos esburacados de tanto observar eclipses. Os eclipses corriqueiros, as joias nacionais.

Das portas estanques pernas. Bocas. Chapéus e garrafas de leite. Os tarados da lei, as palavras deitadas. O retrovisor vazio reflete toda a manada de atos que não passa por lá, todos os gritos que não ecoam, todas as naves que não pousam, e ninguém registra, ninguém está assistindo, há penhascos em todos os cantos. Ele vai correndo mesmo assim, tropeços e tombos. As paredes bolas de fogo jactantes. As coisas não têm coração.

Todos os peças derrubados, amontoados, de orelhas queimadas retorcidas envolvidas em si mesmas. Não jogar o jogo não faz com que o jogo suma, essa é a primeira regra, e ninguém percebeu enquanto lambia os dados sinuosos. Línguas arregaladas entaladas em cus, girando, girando, chaves de fenda cômicas que ninguém sabe usar. Todos os toques de um homem em um só instante e todos os gritos e gemidos espalhados por um deserto imenso que cabe na palma da mão de um idiota, os beijos, os beijos, os beijos, dançando em volta da última fagulha de qualquer coisa, o prazer invisível das roupas vestidas pra sempre, todo um gozo sem libertação. As mãos segurando os ombros para que não caiam, a memória de um parto, o fim dos jardins.

O labirinto é imóvel, imenso e morto. Mas entra nele sorrindo e as esquinas se beijam. As paredes amam o vencedor. Os grafites sinceros imploram carinho. O templo refluxo, indigesto, obeso, inunda os becos. Ele nada como campeão, sereia, submarino. Enfurece as ondas que gemem. Fica de pé sobre a água limpa. Se espalha por todos os cantos e sorri, de novo. No centro no fim do labirinto o minotauro ferido, cansado. Os olhos vermelhos e as mãos arranhadas. O choro de bebê, de gincana. O sexo atrofiado. O entorno de espinhos. O menor toque e os gritos. Mas ele vai e -- não. As costas viradas, o caminho livre. O monstro engatinha. O ar cobiçado. Os chifres quebrados e cheios de limo cavocando o chão. Seus pés leves de fada escapando lentamente enquanto agradece em silêncio. Seu corpo fora morre e vai andando pra longe, seco. Ele, ele sentado no meio das colunas. O homem sorrindo em formato de cruz.

sábado, 20 de abril de 2013

testamento do fantasma esfaqueado

todas as
se derramam
os
dissolvem.

massiva divisa
festivas fogueiras.

(além disso eu desfolho
desfiguro lentamente
os olhos do minotauro
destríssima desfilo dedos difusos
lambendo as questões
silêncio.)

as linhas sussurram suspensas
os meus pés arrombam
cale-se o silêncio.

mil gargantas quietas
sorriem discretas distintas:
danem-se.
desfilem
sumam.

no mundo dos meus olhos ardendo
no meu mundo de explosão discreta
apenas os pés dos atentos
apenas os suspiros impunes.

o verbo sem eco gagueja
frente à plateia perplexa
desdobrando a areia maciça
mascarada a cortina vazia.

meu ódio colorindo as janelas
estuprando as estrelas sensatas:
quero massacrar
devagar
cada passo
cada espaço
do mundo.
quero habitar eternamente
universo que seja
moléculas distintas
de composição óbvia:
cada átomo um pedaço da minha raiva
meu arder passeio básico do absurdo
não permito jamais que se exista sem arfar.
impossível rastejar sem a vontade de que tudo se exploda
que tudo se derreta
que tudo se desculpe.

enterração
(sem zombaria)
da sujeitice;
as coisas se dobram sem pensar até outro dia--
esse vento azul antipático é melhor esquecer,
ir passear.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

balé poeira

estar com os olhos ao nível do chão
rastejeiros e festivos
; abrem expansivos a festa,
a estação.

nossos corpos violados
em viena, expostos no salão concretista
meu braço e meu peito tridimensionais
meus dedos agarram as velas.

sentir dança deslize
o que sempre disse
os desse salto
narcisam denso.

meus olhos rentes ao sol são lentos
o prédio dentro dos meus dentes é seco
a dança é morte
a febre não.