segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Fábula

Dizem que foi, assim sem menos nem mais, daquele jeito que a turma conta, sem detalhe nem mentira; causo. Entendam os senhores, antes que o Santo Ofício se instaure, que a história não é minha - nem elas podem ser de ninguém, claro seja -, foi contada por um moço muit'stranho que me vim a conhecer n'outro dia; ele andava co's'óculos escuros o tempo todo, mesmo até dentro de casa, e pedia a bênção pr'as pessoas que não eram de Deus: dentista, padeiro, mendigo e bêbado; era no porém muito bem apessoado, e acho que bom também. Mas assim a história (acho qu'estória é melhor), a estória não se adianta, então é melhor que se a conte.
Cumbuca cheia de doces repousa morta no chão frio, mel para as abelhas. O menino jorge se vem aproximando como quem pede a Deus pra que a chuva seja muita, mas enquanto o sono é dormido, porque o dia é pra se viver. A mãe sentrabalha do lado de dentro, a mão cansa dá à roupa o lavar, e o doce lá fora ninguém sabe d'onde veio: não é de casa, que lá não é lugar desses luxos não. O menino não sabe que a mãe não sabe da cumbuca, acha armadilha, and'esquivo com medo da mãe-aparição pra puxar a orelha no espanto: no moment'é espião.
As pernas fazem balé: pé pé pausa pausa pé pépepausa pausapausapé; respira fundo e silêncio. Chega serpenteoso na cumbuca, arrasto no chão: as roupas cheias de terra, a mãe fica brava logo. O menino pousa os olhos sobre a cumbuca com gosto: é tanto que ele nem consegue distinguir os chocolates das rapaduras dos pés-de-moleque dos beijinhos de tudo. É em tal ocorrência qu'a estória se desabrocha e se torna meta, pois que na cabeça de ninguém não se pode ver, pelo menos não eu, me diga você; o menino Jorge viu na cumbuca mais algo que doce, é isso que ele mesmo disse depois, mas nunca soub'explicar, nem sob ameaça de cinta nem sob promessa de nada. Se sabe qu'o menino viu o que viu lá dentro, e caiu pr'a trás, deidesmaiado. Ninguém sabe quanto tempo ficou no chão, porque a mãe só viu o fruto quando saiu pra chamar: desesperou-se. O menino foi pr'hospital da cidade na hora, e botaram na cama antes de dizer nada; fecharam a porta pra genitora e foram doutorizar.
Foram uns tempos de muita tristeza e choro; parente e amigo sem saber o que dizer nem nada; os doutores pedindo perdão e falando que não entendiam como era aquilo; a mãe sentada, sem saber nem mais como se levantava.
Foi é na visita qu'a escola resolveu de se fazer que ocorreu o acontecimento; os colegas, todos meio assustados com o lugar - pré-cemitério cheio de parede mais branca que fantasma -, foram visitar jorge, trouxeram até cartinha, rezaram juntinhos, mas não foi nada. Foi então que a Carol, que era uma menina de muito tímida e quieta, se chegou mais perto do doente e deu um beijinho nele pedindo pr'ele sarar; o olho esquerdo abriu na hora e o direito logo em seguida.
Foi um deus-nos-acuda dos mais caros e bonitos; criançada gritando, a mãe se chegando e abraçando sem nem saber como se fala, os doutores todos coçando a cabeça e sabe-se-lá-o-que-mais. Jorge, mas porém, ignorou a tudo - os médicos perguntando se ele tinha comido algo da cumbuca, docinho que fosse; a mãe pedindo pra ele nunca mais se sair de perto; os amigos perguntando se ele tava sonhando ou no céu, se tinha anjo lá, e o que mais - e ficou mais sério - ainda assim sorriso - do que na vida, olhando no olho da Carol, que ainda não tinha saído de perto dele, e segurando na mão dela, só olhando, esquecendo do que vinha antes, a cumbuca, quem se lembra, os doces, nem queria, tudo aquilo nem era mais nada, ele nem conseguia mais piscar o olho, e o que era aquilo, que ele nem sabia dizer; amor.

2 comentários:

Anônimo disse...

isso que dá mexer em macumba... essa história de coisa com doces morta no chão... u.u tá na caaara que é macumba!

Cidadão ³ disse...

Vide exercícios literários.
Vi seu exercício literário.