domingo, 16 de dezembro de 2007

Um ou dois cigarros

Quando ele se levantou, não era mais. Tudo que aconteceu depois - o aborto; o divórcio; o desemprego; a morte do Rex; a perda da casa; a briga com o pai; a viagem para o México que terminou com os mergulhadores desaparecendo; a prisão que parecia algo saído de um pesadelo kafkiano; o dia em que tudo parecia mudar, durante o qual ele realmente teve esperança e acreditou que as coisas seriam diferentes, quando ele saiu e encontrou-se com ela e ela disse que talvez o perdoasse, e então eles se beijaram e ele não se lembrava de mais nada, a não ser de acordar a alguns km de lá e de nunca mais vê-la; a vez em que ele jurou que as coisas mudariam e minutos depois ele estava caído no chão de um bar, com uma farpa de madeira de 25cm fincada em seu ombro; a semana durante a qual ele fez pouco mais além de abrir os olhos às vezes e perceber a luminosidade antes de se esconder; a sensação da luz grudando em seu corpo e o enjôo constante e indefinível; o mês em que seus lábios sangraram continuamente, sem que ele tivesse conhecimento de qualquer razão para que isso acontecesse; a sua vontade se partindo em pedaços do tamanho de um caco de vidro, daqueles que você pisa na praia sem ver, sumindo aos poucos enquanto ele sentia cada vez mais ser um fantasma; quando começou parar falar pensar cérebro sumir; quando lapsos e então ele não e lembrava dia longe, perdido; a morte espalhando-se aos poucos, silvos sem perdão, homem sentado de olhos escuros e assustadores, a visão ao longe, mas tão perto, alcançando aquilo que não tinha importância; a decepção e a devoção, a fé; tudo - tudo que aconteceu foi apenas consequência.
Ele agradecia por ter tido tempo de fumar um cigarro ou dois antes que tudo acontecesse; por isso ele era grato, pois a maior parte das maldições não é tão paciente.

Um comentário:

Anônimo disse...

=_= eu vou considerar isso como a visão de toda a vida de um cara antes de morrer... " pois a maior parte das maldições não é tão paciente." xD