segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Ela escrevia em várias cores

Ela escrevia em verde, azul e, principalmente, em vermelho, e em tantas outras cores que seria impossível contar. Ela dançava com os olhos daqueles que tentavam observá-la, tão incautos quanto aqueles que olham diretamente para o Sol.

ela rodopiava
sem suspiros
sem ardores
sem paixões
sem conclusão

Numa certa noite ela olhou para mim, diretamente pra mim, durante alguns segundos. Não foi tão especial quanto se teria pensado. Decepcionei-me instantaneamente, desviando meu olhar, embaraçado.
Isso foi há tanto tempo.

- É sério? Mesmo? Meu deus eu nem sei como agradecer... Vocês têm certeza? Não é alguma brincadeira, né? Engano? Tem certeza? Mesmo? Ai meu deus eu nem sei... Faz tanto tempo que eu queria... Você nem imagina, mesmo, nem imagina... Desde que eu era... Nem sei... Não sei quantos anos, sinceramente... Eu posso mesmo dizer... Posso? Eu queria dizer algo pra uma pessoa... A história é complicada, não... Não, não importa a história... Ela era... Meu deus, eu acho que estou quase chorando... Eu só queria que ela ouvisse isso, depois de tanto... Queria dizer pra ela...
- Desculpe, mas o tempo acabou, vai ter de ser na próxima vez.

Mulher: Então fala logo.
Homem: Não quero falar nada.
Mulher: Você fica levantando, levantando a mão e abrindo a boca e aí pára. Fala logo, tá me irritando.
Homem: Não é nada.
Mulher: Então fica sentado, ou então vai pra outro lugar, sei lá, tá me enchendo, porra.
Homem: Não tou fazendo nada...
Mulher: Ai, que saco.

- Homem abre a boca para dizer algo, levanta um pouco o rosto, mas desiste. Mulher, utilizando o computador, aparentemente não percebe. -

Mulher: Tou indo. Quando eu voltar eu te ligo, tá? Desculpa o stress, é que com a viagem e tudo...
Homem: Não foi nada.

- Mulher se levanta e sai pela porta -

Homem: ...Fica.

Ele a observava desejoso, intenso, suando, os lábios trêmulos, mordendo as bochechas enquanto engolia várias vezes a própria saliva, as mãos dentro dos bolsos apertando os próprios dedos compulsivamente, as sobrancelhas subindo descendo subindo descendo subindo descendo, o hhhhhnf aaaaaah da respiração repetitivo e assustador, à sua maneira; seu corpo oscilando pendularmente, relógio incompleto e quebrado. Ele piscou os olhos algumas outras vezes, e então voltou para casa.

5 comentários:

Bela disse...

muito bom.

hahahahaha, que dúvida.

priscila b. disse...

Sabe o que me deu a impressão primeiro?
De que ela era uma prostituta.
E continuo achando isso da primeira.

Sim, porque mesmo que haja duas mulheres, mas apenas uma, eu a dividi em duas.

A primeira, a prostituta.
A segunda, bem, não sei direito, uma namorada/esposa...


Mas talvez seja só a dançarina.

E, nossa, a falta de coragem que ele tem, acho que é medo, muito medo.

Gostei. ^^

priscila b. disse...

Sim, porque mesmo que NÃO* haja duas mulheres, mas apenas uma, eu a dividi em duas.

Anônimo disse...

prefiro que você me passe por msn, não gosto de blogs e tenho ciúmes do que você escreve.

Billie disse...

Eu li...no mínimo 5 vezes antes de realmente entender tudo; antes de juntar as peças.
O que não é dito, mais importante do que é dito.
Você já leu algum trabalho da Caryl Churchill?
Eu estou trabalhando numa peça dela semestre que vem. Chama-se 'A Number.' Ela é escrita mais ou menos como você escreveu esse texto; meio quebrada. Da forma que a gente pensa, começa a falar, muda de assunto no meio da frase e depois volta ao começo de novo.

Se vc quiser, quando eu digitar o script durante o feriado eu te mando. Se você quiser, claro. O tema principal é natureza vs. criação. O tópico, clonagem.

Anyway, that's that.
Não se esqueça dos amigos doidos e pobres quando vc estiver ganhando Oscars por melhor roteiro ou whatever =P