quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Esopo

Era uma menina chamada Carmen, era uma menina era uma menina era uma menina. Claro que chamar de menina é menosprezar - um pouco de afastamento irônico, ai de mim - , esses substantivos todos diminuídos e falseados... 1995, talvez mais: recém saída do colégio, recém saída de nós e recém saída da graça de não ser necessário fazer decisôes: era hora de escolher profissão e virar mulher, talvez nessa ordem.

Preenchimento de uma folha: pior que querer escrever, ela me disse, em uma das vezes que me ligou chorando... Era feliz ou dinheiro? Não a menospreze por essa dicotomia, por favor... Não quero fazê-la parecer tão mentalmente simplificada, é claro! Há de se dizer que eu nunca fui vítima de tal brutalidade: há muito tinha decidido que era mesquinho demais esse caminho e resolvi trilhar o meu próprio, mesmo não o sabendo muito bem. Foi então um dia antes do prazo máximo que decidiu: filosofaria-se! Sem mais medo de pais, de dinheiro, de ver-se: minha Carmem queria ser pensadora.

Sumiu-se por tempo até a hora as listas: fui procurá-la e o espanto: Carmen Érica Borges, 1º lugar em economia. Quebrei minhas regras e liguei exigindo explanações: por acaso sentiu que era necessário mentir para mim? De todos eu era o que menos a julgaria, é claro (o que era mentira). A voz chorou: eu também não sei! Eu juro que era filosofia... Não sei o que aconteceu. Lá vou lá resolver isso amanhã.

Deu-se tudo por resolvido, tudo certo: vieram mais provas e mais acertos e mais sucesso, e uma noite memorável onde decidiu me ver, talvez um pouco enebriada, não sei se de si mesma ou de algo a mais. Carmem, pensista.

Foi então que chegou: o começo já do ano, bolsa, ânsia. Indicações de como chegar ao curso no bolso, cavalgou e foi. Desembarcando lá e: o prédio dizia grande: Economia. Irritou-se com a peça... Entrou e perguntou onde é que se filosofava. Disseram risada, que aquela era faculdade séria e não tinha disso não. Exasperoussaindo e foi andando todo o espaço, parando de porta em porta e perguntando como Carmen chegaria ao seu lugar - sempre a negativa total.

Voltou à casa suada, chorada, tremida: fui lá vê-la e abraçar. Minha Carmem só sabia dizer essas quatro palavras: "Não é possível..." Um pouco catatônica, acho. Passa-se: repetiu o cronograma mais seis ou sete vezes, sempre telefonando para lá e recebendo a resposta de que o curso estava lá, ora essa, e que seria de bom tom que ela fosse logo cursá-lo!, ora, senão perderia seu lugar.

No fim resignou-se: em mais uma ida viu novamente seu nome economicado e entrou pé hesitante: sentou meio morta e viu as aulas pelos próximos anos, formou-se e ficou rica. Casamos em 2000.


(texto meio nãoblog, mas.)

5 comentários:

Billie disse...

OMG algo que faz total sentido a primeira vez que é lido! ARE YOU OKAY? :P

Anyway, gostei, acho, sei lá. É como se a decisão tivesse sido retirada das mãos dela, e isso me deixa intrigada/feliz/nervosa tudo ao mesmo tempo, pq eu ando passando pelas mesmas coisas, sort of.

Quanto a 'filosofia' não existir mais...é quase verdade isso, mesmo q seja um texto e a intenção não tenha sido dizer q hoje em dia a educação só leva à riqueza material, é meio verdade. Aqui é, ao menos.

Realidade demais se escondendo em meio a ficção. Melikesdislikes.

Gabriel Ribeiro disse...

"OMG algo que faz total sentido a primeira vez que é lido! ARE YOU OKAY? :P"

OMG! Quote that.

Gostei litros.

Anônimo disse...

Uma estrutura fabular, eu diria. Esopo, também. George Orwell, talvez também dissesse. Fábula contemporânea? Talvez. Estão esperando "animaizinhos subindo de dois em dois"? Vão sifudê!

Anônimo disse...

Eh a primeira vez que entro nesse bloggg e naum gosto de inganassaum hehe. Esopo num eh o do minotauro???

escreve direito, num esiste esasperoussaindu

priscila b. disse...

lol pro comentário acima.