segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Dessolução

Se trancou no quarto e prometeu pra sempre ser uma boa pessoa; havia uns dois ou três ou mil livros nas prateleiras que ele ainda não tinha conseguido ler. Amanhã, sem falta.

(...)

Todos se abraçaram sem respirar por nem um segundo; era a utopia dos atlantes. Os sorrisos conseguiam ser mais do que luminosos, talvez assimétricos. Deitaram-se.

Por fim, as coordenadas coordenaram-se implosivamente e tudo se achatou, só Thiago sentiu falta dele, mas nem tanta. E ele? Foi pra outro lugar, e ficou tudo bem.

:
(verde-limão, três metros de altura, billie holliday, iluminado, sorvete flambado, unhas lisas, discurso indireto livre, avestruzes, adstringência, pernambuco, sol.)


[mais uma vez
]

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

festausente

pra esfriar:

(1993, 2001, 2008)

Ping
pong
infinito;

eu te amo eu te amo eu te amo eu te amo eu te amo eu te amo não vai embora por favor não me deixa sozinho me deixa te abraçar me deixa por favor me deixa por favor não me deixa por favor

Desligou;
desceu
pépòspé
até a sala lotada:
saloon prosopopéico enchidamente tresloucado de
mulheres inseguras mães procurando aprovação
quasevelhos bêbados rindo irrestritos sem clue
[cacoete britânico, meu velhamigo sherlock, se engraçando com as mães de todas as nossas amigas puríssimas que procuram por aí homem que as coma melhor]
as afeições flutuantes
imagens quebrilham
(vermelheverde)
manjar.

- Eu vou dormir, feliz



!



sem beijos.

sábado, 13 de dezembro de 2008

uma chance

zero

caprichos e beijinhos e um carinho sem fim, deitados ladoalado de mãos dadas, são sabe-se lá quantos anos de edredons enrolados se acobertando e ela coloca os olhos sobre ele e enobrecida diz adeus, sem tocar

Outra:

Thiago e Fernanda estão na fila do supermercado, classicamente, de madrugada, não sonolentos, entediados, ela vinho ele cerveja, alguns chocolates, macarrão. Só um caixa: só um caminho. Espaços vazios e brancos, música de câmara moderna, algum rock perdido dos anos 80. Eles vão juntos e de voz rouca Thiago deixa passar, murmura incompreensível, sorri, ela sorri. Passa, coloca o vinho e os doces sobre a esteira e espera a funcionária sonolenta
[e há de se pausar um momento pois a funcionária sonolenta é também Carla, cinquenta e sete anos, recém-divorciada, marido em Brasília, que se reinventa não dormindo e pagará uma plástica em sete vezes, mora na Conceição, nunca teve filhos, tem um namorado intermitente que é talvez bombeiro, dorme menos do que gostaria, sua casa é pouco mobiliada, não é triste, sempre pinta as unhas de verde, como dizem os manuais de roteiro, e amanhã ela vai pra um churrasco da turma da faculdade - assistente social formada - e acabará fazendo sexo com um Fernando do qual ela não se lembra e talvez seja um penetra que nunca foi da faculdade no quarto dos fundos enquanto geme devagar]
passar as compras olhando para trás, discreta, porém nem tanto, analisando de leve Thiago, que a olha nos olhos uma ou outra vez, ensaiando alguma aproximação. As compras, no entanto, avançam lenta e inexoravelmente até o fim, e Fernanda paga lentamente tudo no cartão, olha mais uma vez para trás, nada é dito, e vai embora.

Bis:

Ele fode bem, mas nem tanto, não é a melhor da vida dela, ela lembra do Caio, que conseguia mexer o pau de um jeito diferente, ele girava e metia ao mesmo tempo, na cadência certa, e ela sentia que conseguia agarrar ele completamente tanto com a boceta quanto com as mãos e puxar ele completamente e nunca conseguia ficar sem gritar, eram sempre unhas e arranhões, ele era um idiota, mas conseguia lamber o pescoço dela sem parecer um idiota e morder de leve e com força, não que seja ruim, ele não é afobado, não é violento nem sem graça, mas não é tão bom quanto caio, e talvez pensar nisso agora seja um mau sinal, ela sente as pernas dele batendo nas dela de vez em quando, de leve, e ele não está suando, as pernas tão secas, é estranho, não sabe explicar direito, talvez o pior seja gemer, ele geme o nome dela, Fernanda, ela meio que odeia isso, mas não sabe o que fazer, mas tudo bem, ele segura ela pelas costas e puxa pra perto e ela goza, e é bom, eles ficam assim juntos bem perto um tempo e é bem bom, sim, sentir a mão dele no cabelo e o corpo junto, ele parece mais suado agora encostado nela, o pau ainda dentro, amolecendo bem devagar, ela deixa o corpo cair em cima dele e ele brinca com os peitos dela e com o cabelo e não é ruim, não mesmo, não se arrepende, foi bem melhor do que a primeira vez e qualquer dia ela sai com aquele Thiago, ou não, tanto faz, nem tava nada marcado direito.

dista:

T = 49°33' O 21°52' S
F = 61°28' N, 14°11' E.
impossível, etc: ausência inevitável.

quadrado:

que amava que amava que amava que não amava, em função do tempo e do calor, e nunca chegou a coincidir: talvez 23 de fevereiro de 2001, não sei, mas era um eclipse e todos estavam ocupados olhando pra lua e não se viram.

Epicentro:

Vinte e dois anos depois de uma festa na zona oeste de São Paulo na casa de um certo Gastão Asdrúbal, Thiago Fernandez casou-se, com muita pompa e estilo, com Alice Meirelles. Os dois pombinhos têm três filhos prévios ao casamento; Alice é dentista e herdeira, Thiago é ex e administrador. Fernanda Schveck, namorada de Gastão vinte e dois anos e meio atrás, não foi convidada.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Sagradíssima

I

Estou ind'embora
já passa da hora!
beijo pra você e espero
que fique tudo bem
(mas nem tanto
que não me importa).

II

(nove anos depois)
- Bom dia, amor, bom dia! O sol parece tão lindo daqui do lado de fora! Abre a porta pra eu ver melhor!
- Como você está bonita! Nem um dia se passou! Seu rosto não tem marcas, seus peitos não têm peso e sua boceta não é larga! Meu amor por você ainda é tão forte e constante quanto a torrente irrefreável da mais intensa queda d'água de Iguaçu no mais majestoso mês de chuvas! E você, filho! Um homem feito já! Vejo pelo seu sorriso que estraçalha corações e hímens na escola e é feliz! Espero que esteja tirando boas notas e aprendendo muito, que a vida não é fácil! Mas é boa! E agora me tragam um uísque que eu vou ler o jornal.

III

Um buraco no meio da casa: uma faixa estreita de luz vaza gosmenta de lá, espalhando-se lentamente pelas paredes alaranjado-mortas que se deitam por aí. Meia dúzia de bombas caindo no quintal e meia dúzia de minas enterradas matando queroqueros atrevidos, um paraíso tropical. O som de abrrrrupuguns é sobrepujado ineducadamente por vozes translúcidas que vazam de longe amareladas e entoam algo canticular em tornadilhos. Oh Maria salve todos nós, e é como se aquilo Fosse.

Pós

Não há tempo a perder, é o último vôo e só há um assento sobrando e logo há verbos no ar

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

atualidades

meu rosto

torto ângulo caído encostado esforço inútil. Representativo do jeito mais canalha e medíocre possível. É assim que vocês gostam?

Eu só gostaria que todo mundo soubesse que eu tou tentando, tou fazendo meu melhor, tou me esforçando, mesmo, de verdade. E estou disposto a fazer o que for necessário e a ser o que for necessário e a



Guilherme se filma enquanto alguém filma a filmagem, é tudo verdade. Se fosse explicitamente 1984-ístico seria muito mais simples e fácil, mas algum idiota achou que cinza seria uma boa idéia e metáforas seriam boas idéias e agora olhar no olho de quem olha não é mais o suficiente e escrever que nem um idiota não é mais o suficiente nem os anglicismos escondidos tão evidentes nem nada porque tudo pode significar qualquer coisa e você está inevitavelmente falando sozinho e se sente inútil e preso entre o incompreensível e o expositivo e irremediavelmente estúpido e mesmo a tentativa de autoconsciência é uma proteção e uma fuga e às vezes a consciência (a outra) faz você se sentir mal e você tem que simplesmente dizer a verdade

seja lá o que isso seja

24h por dia, sem folgas, pra competir com o youtube - e perdendo. terminar de digitar e acrescentar a literatura

ela estava desligada o tempo todo, vamos fazer tudo de novo, mais emoção dessa vez!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

anulação

Tiago se levanta e percebe que não tem pés; o quarto se dissolve em falta de luz.

Não sei mais lidar com assombrações.

Pres'em vácuo, não totalmente desaparecido. Não consegue piscar e fim.

Sem mais onipotência enjoado insone vomito em algum canto caio no chão tremo espasmos alguma ópera ruim teclado quebrado algum grito sem eficiência desisto posso sumir agora

tela em luz
cheiro ruim
apersono
incriado:
não é
dissoluto.
(subtraí)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

notas sentimentais de uma crise passada (previsão)

Está faltando um pouco de





AR





,
seria uma boa maneira de tossir. Queria saber de boas maneiras. Hoje o jornal foi de
matar, mesmo, parecia um jab cinza.

CH-CH-CH-CHANGE
é o grito de guerra
de quem não gosta de gritos? É complicado ser grito no país do silêncio.



EDITAL CONTEMPORÂNEO URGENTE

No Centro Acadêmico Elétrico Beijo, da UNFP, parece ter começado tudo. É talvez um alento àqueles que sentem serem muito mais vívidos do que vividos, um frescor irritante de quem nunca viu acontecer. Nós estamos vivenciando
quedas aterradoras
que parecem não ter fim
e a falta de reação geral é será
algo para se preocupar talvez mais
do que com a própria crise, pergunta-se.
A partir de hoje, só é permitido àqueles que se preocupam se alimentar de MAIOnese.



não sei mais gritar/a partir de hoje é necessário que você seja o grito/pegar nas coisas é pouco/dizer é pouco/eu sou pouco/mas não pra sempre/isso seria impossível/por mais que por enquanto seja um silêncio absurdo/mesmo com o fim do mundo anunciado e cheio de flashes divulgado pelas maiores empresas de propaganda do país/desabando/e as eleições que parecem ter chegado ao extremo de tudo que pode ser chamado de extremo/no domingo/ainda assim silêncio/mas não pra sempre/"hoje são dois anos atrás"/você ouve alguma voz dizendo algo que faz gritar/o grito e não você/realismo impossível/é necessário ser o grito/está por aqui abolido

INTERLÚDIO MUSICAL
obrigado

eu diria a você
que não somos mais só dois
três mil
muito mais
nunca iguais
e só assim posso ser com você
sem ser
sem amanhã
amanhã é sempre ontem
nós somos hoje.

apresentado pela pasta de dentes sabor cevada Skolgate
FIM DO INTERLÚDIO

o sono/daqueles sem sono/porque o sono dos sem sono/é só um jeito de quem tem sono/não conseguir o sono/que merece/e no sono/não se grita/não de verdade.


Eu não sei mais ser longe, incapacito-me. Não sei mais me atrancalhar em cabines e pedir baixinho alguma coisa ou em quartinhos dizer baixinho o que acho, olhando através de periscópios complicados como o mundo é complicado. Não sei onde meti minhas chaves e desaprendi tudo isso que precisava.


"É como uma aposta", sussurrou, amarrado, enquanto o cientista de costas apertava seus botões. "Só que se eles perderem, você tem de pagar." O raio laser começou a descer de aranhas esmagadas no teto que tentavam inutilmente cantar alguma coisa antes de morrerem, o cheiro de (aço/sapato) queimado dançando por aí e o repórter, depois de ajeitar a gravata, anotou em um caderninho, enquanto olhava o corpo carbonizado só em alguns pedaços mas ainda (rindo/gritando), que "é contra interferências estatais na economia", ora aqueles fãzinhos ficariam surpresos em saber como seu (ídolo/líder) era diferente do que se esperava.

Tudoqueeuqueroéqueessacidadeacabelogoantesquetudoqueagenteacreditavirecidadeevireoutracoisasempreoutracoisasempremasnuncaacoisaqueprecisaseréassiméassimetudoissoépassadodesdesempreascoisastodasquemecansamdemaiseusóqueriaenfimalgopravivereserserá?

Inequivocadamente nós esperamos algum tipo de vento, ansiosos, sabe-se lá o quê. Tudo que eu digo são preces, apenas, de que chegue. Então:
- aos jovens que resolveram correr a América toda oferecendo pão a banqueiros, digo, certo?!
- ao senhor subsecretário de um dia pro outro convertido em pagão
- aos dez milhões que estavam lá
- ao homem desconhecido que desenhou o bigode gigante na Estátua
- aos nãomarxistas, nãoliberais, nãopacifistas, nãofascistas, nãoanarquistas que organizaram a festa na Paulista e cantaram com as próprias bocas
- a quem (não) é razoável
- aos cartaginenses, troianos e armênios
- aos estudantes deslivrados que mascam chiclete vermelho
- etc


AO EGHORIA

Paulanda calma, eraora de aula, já, mas correr não. Encontra algum amigo de uma amiga no caminho que diz oi e comenta você se lembra daquela festa na casa do Fernando você não achou por acaso um isqueiro com um kanji que dizia Sapo, era do meu avô e eu perdi e é ruim, e não, não lembro da festa, desculpa, tou atrasada, tudo bem, me dá um cigarro, só, e dá, afinal, é a ética. Anda mais alguns passos até se afastar e continua andando até que o mundo começa, inesperadamente ou não, a ruir. Rachadurazinhas e rachadurões se separam no chão e logo um buraco engole Paula. Ela cai aliceana por alguns dias até chegar ao fundo, fofo e aquoso, e lá de baixo ainda dá pra ver lá em cima. Centenas de criaturinhas estranhas, com patas em número ímpar e elevado, a cercam, e logo começam a subir por seu corpo e beliscá-lo, mordê-lo, chupá-lo e deixar marcas, coceiras e alguma dor não insuportável mas bastante incômoda. Incomodada, Paula se levanta com dificuldade e vai andando até algum lugar mais iluminado, enquanto sacode as pernas e joga alguns bichinhos longe. No lugar iluminado há uma pedra redonda, bem trabalhada, um disco plano de uns 3 metros de altura e uns 8 de raio, e em cima do disco há um touro. Ela pergunta ao touro qual é o seu nome e o touro responde Hepatite, e ela não ri. Alguns dos bichinhos que ela jogou longe começam andar até o disco, logo o estão escalando e logo estão nas patas do touro que, mesmo sem polegares, os leva à boca e, sem mastigar, engole, e é um senhor touro, quase um sapo, e ele diz que é o Senhor. Paula não responde nada por algum tempo e então diz ao touro Senhor Hepatite o senhor é muito bonito, gostaria de me possuir e ele gagueja e diz que c-c-claro, quem não gostaria, porque Paula é muito bonita, e os bichinhos levam Paula ao topo do disco e ela se deita no chão e espera, mas o touro hesita, hesita, hesita, e quando ela se levanta para ver o que há de errado ela descobre que o touro é na verdade um boi; logo em seguida todos os bichinhos começam a gritar furiosos e eles mesmos jogam o boi amarelo lá pra baixo e comem sua carcaça em poucos segundos. Paula olha pra cima e vê que há uma escada e ela pode subir mas olha pra cima e também vê que parece que lá em cima as coisas estão ruins, algum incêndio e uns gritos, e decide ficar lá embaixo.


um dólar hoje é dois dólares
o não-tempo é um bom sinal
eu saio e respiro tão fundo
os rostos das pessoas são absurdos
é absurdo que eu não os tenha visto antes
e não compreenda nada de nada
a rua parece tão vazia
no meio do mar de gente
os casacos me cobrem
casacos a mais
quando chego em casa tiro o casaco
ainda não respiro direito
qualquer dia volto pra rua
nãosozinho
que aí respiro melhor no meio da gente.


E eles entenderam tudo errado, não é revolução e depois parar, porque parar pressupõe revolução, é revolução e depois revolução e depois revolução, sem parar e sem saber como vai ser, tem de ser assim, em todas as pessoas e em todos os lugares, mesmo que comece com três e meio ou onze terços, impossivelmente razoável é como querem que seja, não pode mais, e eu espero que eu deixe de ser prece e comece a ser relato, porque a hora não se sabe quando é, eu só acho que é agora, sem nenhuma certeza, porque não podem mais ser certezas, que elas são outra coisa, e nós somos outra, e eu espero que amanhã eu seja não hoje, que esse será um bom sinal, escrevendo assim escondido mas com a janela aberta, nós queremos todos ser jesus, porque um só não foi o suficiente e agora nós sabemos tanto mais do que sabíamos na época, a anátema é irreversível e paradoxal, nós somos nós mesmos todas as anátemas porque só de fora você pode ser outra coisa, são Palavras sem fim que engolem qualquer coisa e nós esperamos que elas regurgitem tudo que precisa ser regurgitado, nós lemos e esquecemos os jornais e vai ser.

NÓS SOMOS O GRITO
(pretenso grito futuro)


- cadernos perdidos reeditados em colagem, etc e tal. o passado se refazendo é besteira, mas algo por aí... é só uma falta de fogo que talvez me afete melancolicamente e então as epifanias encontram terreno fértil para serem inevitáveis e chatas -- mas ainda quero sair, acho, e qualquer coisa do tipo... a gente vê, sempre, a gente vê...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Miscelânea: 1 excerto

acordar, uma sombra na parede: tem olhos, sombras não tem olhos -- acordar.
Sr. o sr. gostaria de sr. sr? sr?! meu sono cada vez mais causando problemas, ignore e continue andando - chega ao metrô e inexplicavelmente vazio, um animal esfomeado engolindo ar - e só ar - e se deprime um pouco, deve ser triste ser trem, mesmo. (.)

o que está lendo?, é a mesma coisa que os amigos sempre dizem, pra cada um digo uma coisa: cortázar, pynchon, bioy, faulkner, bábel, aumont. aumont? resposta errada, falta estilo, ou sobra, questões vetoriais, sempre.

o palmeiras na tv: o estádio vazio não é triste; por quê? os rostos da gente no frio são diferentes, nunca são massa, as descrições no geral são completamente equivocadas - na multidão todos eles são mais individuais que nunca, principalmente os fantasmas, os de olhos claros que olham na sua direção de mil quilômetros de distância e te dizem alguma coisa. não há nada a beber em casa e a janela já começa o barulho do vento, um trurumtum que faz os cachorros berrarem e rasgarem o que sobrou da calça - ainda de jeans, por que ainda de jeans se em casa há tanto tempo?, se odeia um pouco por isso e continua sentado, um livro aberto na mão se dobrando torto.

esboça:
uma moça de trinta e três anos que acorda e inesperadamente vê-se transformada em um asqueroso jesus cristo. é vegana, não pode cometer suicídio: como resolver?
a porta s'escancara de uma vez: ela está molhada mas já parou de chover faz tempo, e nem mesmo está molhada, é só o cabelo - d'onde o banho? arresponsiva, o que é sensato: senta do lado e come o queijo da minha mão sem dizer nada - é talvez isso que eu mais ame nela, quando ela come o que está na minha mão sem pedir.

toques no meio da noite: são os mil telefones recebendo gritos do inferno, cada um localizado em uma parte do corpo diferente, e foi hoje que eu li sobre como o paquistão está avançando na indústria de escavadeiras ou ontem?, aquelas mulheres deveriam ser santas, só pode - alguém arrancou as datas de todos os jornais e eu não sei mais se estou lendo notícias ou mentiras ou passado ou seja lá o que for - ela nuncacorda, nenhum barulho, sentado sozinho na sala - nosso irmão, um vampiro! é justo que seja, mesmo, depois de sair tantas vezes sem blusa no frio - e o celular manda mensagens para aqueles que talvez estejam acordados - quero saber se o Prefeito é bom ou não, agora, e preciso do conhecimento de vocês - e as respostas não chegam, pelo menos não antes do fim da bateria, e o carregador no quarto... talvez seja melhor beber um pouco e assistir ao Alec Baldwin cuspir até amanhã, o céu não está bonito o suficiente pra se olhar e você não gosta dos cigarros dela...

umepopéia, ratzinger entre um e tônica, forjada no edredom imperfeito - é essa a tônica, no fim, o doppelgänger imperfeito emparedado que você joga pela janela com as suas roupas e pede para que acreditem e não acreditem - a tentativa desesperada e patética de se esclarecer, talvez, desesclarecendo - eu vim pra desarrumar o arrumado, era isso? você nunca levou isso a sério, não mesmo - e talvez alguma pureza, algum lirismo?, se bem que se houvesse lirismo era algumas linhas antes, e destruo tudo (e me acovardo, enfim, é o duplipensar) - arruino o que estava pronto? - mas que direito eu tenho de prontidão quando isso não existe, é só um murro no espelho: eu estou aqui, mesmo?, digo, vocês me vêem? eu não sei mais dizer se sim ou se não, com os dedos meio tremendo e sem entender, ela ainda está no quarto mas eu preciso abrir a porta correndo para olhar... a casa já ruiu bastante, mas eu sou tão intangível quanto preciso; meus sonhos de onipotência já começam a me deprimir quando lembro que são só sonhos e fico aliviado, graças a deus pela mentira, graças a deus, eu não sei o que faria se não fosse incompleto

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

PPLT; Cgrlh

Sou ardência, tudo meio caindo. Porta trancada - esse bar tremedouro - tumturuntumtum, um grito-chave (ou tentativa).

Eles dançam em prédios separados.

Elaelaelanão, não quero mais, iluminação precária e ridícula, coisa besta, eu eu eu hm não...
Não é que fosse contra é só que... não gostava muito, não, queria abraço e então. Braçodelaquente, puxando, no sofá - ontem? - e aí tudo bem e deixapralá.

Equânimes, artisticamente: nunca vivos.

Respirando fundo, uma vez mais: resolvido, pronto. Engole tanto quanto for. Raul deitado longe, é saudade ou casa? Nem s(ei!)abe ma(tira!)is a diferença, não, ma(mão!)s quem se importa, luznosolhos ofusca e se desfaz... pontospontinhos o movimento é de desafio, deusificação não é pouca coisa e agora é uma eletricidade na pontinha dos dedos enquanto o cabelo se desescorre montanha acima e o som sespalha os olhos abrindo montanhas e dá pra ver música dançando em gente e ela sabe que sem isso de Clara, muito mais e

Isso se chamava Griffith; agora se chama consciência.

Um raio na minha cabeça... É uma ressaca ou? Ele só sente que talvez correr e log'um táxi e está gritando o nome dela peloamordedeus não fica longe todas as lembranças ruins são boas e ele queria comer de novo os salgadinhos só pra vê-la de mentira.

Deus é releitura e estupro - uma mudança de tom.

quando pode ter medo de explodir um tremor e tijolos abaixo - sempre se jogue embaixo de algo fixo - e é um aquebrantar de tudo que tremura, engasgochoro eu só não queria interrompida sente tudo indo embora horrível assim a lâmpada de mau gosto estoura em pedacinhos que furam muita gente e o whiskey nem existe mais, sumiu, é só ela sozinha, a porta desapareceu e um vento absurdo com cheiro de quente expande, o prédio todo danc'evolta bateria de samba sádica, era como uma tia contava de um quase fim do mundo antes e a janela também estilhaça e olhos do lado de fora engolem umas coisas que ela se encolhe mais ainda e tem luz vindo da porta e ela tem medo do que é, por favor não me deixa sozinhassim eu queria por favor Raul?

O caminho de volta à torre, uma ofensa.

domingo, 21 de setembro de 2008

inverno

um dedo-carniça:
pendurado pela ponta
exala sangue
acre
girando.

sou um homem sentado ao balcão
gritando sorrateiro sobre como minhas dores são
dores tão límpidas
estéreis estéticas
dores de drummond
não-soluções.

o que eu gostaria de dizer é o quanto isso é estúpido
o gosto de podre no olho
dança, por favor
a rima certa
eu me vitrolo
ao teu comando.
dou um murro na moça que anda pela rua pelo simples prazer de [sentir minha pele em contato com moça tão estúpida, tão limpa e [bela que merece apenas ser jogada ao chão e cuspida
até que não chore mais.
pena que me falte saliva
ou coragem
é assim.

p
ergo
cam
inha tor
ler

labor.
(a placa no túnel secreto saindo de Auschwitz)
ter
m'o
garganta.

dou só graças a deus
por ser cinza
cor menjoa
acordo.
com todos eles
já revendi mais de cem vezes
continuo ganhando dinheiro
a vida segue
graças.


rodo
pio.


(o homem que alcança
a dança mais bamba
que tolhe a lambança
lambe bem o samba
de todo o jeito
não consigo gostar desses ritmos que pregam e só vomitam portanto
prefiro pausar.)

é só encarar o cachorrinho morto
cutucar com o pé
dar risada
uma ou outra mosca?
é bonitinho. os olhos-buracos
muito mais vivos
gosto muito mais dele assim
muito mais quieto.

sem pano e sem cor
tina por favor
cale essa sua boca
que nisso voce não é boa.
assimelhor.

só gosto das piadas de mau gosto porque assim não sou obrigado a [beber vinhos caros
essa porra de bagunça!
o tênis sumiu
a carteira sumiu
tanto faz! só apagar a luz que


sacrolizo-me
enjoado.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Portfólio

um só só
desarvorado:
uma mão
encapada
cheia de
festim
desembala
no nada
uma moça
carmin.

ai se tudo fosse tão cinza quanto quero quanto quis quanto pago
- disse a menina cor de cenoura
as pernas trançadas
em um esse sorrateiro
sentada no banco
pedindo dinheiro
ao garoto
- é só um pouco!
pra que pudesse
comprar o presente
de aniversário
de casamento dos pais:
uma tragédia, uma comédia, não importa
isso não é literatura, ora
nós todos sabemos.

saíram do parque
de mãos não-bem dadas
(chove não)
pela madrugada
assim foi assim.
sem medo ela beija
sem tremer. dando as mãos.


e ele entrega.
perd
ido como sempre.


E a menina e o menino
saídos sentido
foram ao cinema
ver um filme
de ação. Com pipoca. Sem coca-cola.
E mais tarde voltaram para casa
sozinhos, cada
um
para a sua.


PostScriptum
perna de mentira
abraço suado
noutro dia
se deitam de novo
jun-tos.
(Um conto de inverno
porque ela cresceu.)

domingo, 31 de agosto de 2008

Limerick adulterada

Houve uma vez um homem de Ribeirão Preto; nós nos conhecemos em uma festa na casa do Paulo e ele usava um turbante e dançava com esqueletos de mentira que não podiam parar em um lugar só.
Ele me disse Oi meu nome é (...) e nós podemos dançar agora, não podemos e eu disse a ele Eu não danço eu sento nas cadeiras e minhas pernas são fracas e ele puxou meus braços e dançamos até que eu machucasse o pé e caísse no chão.
Sua mão era meio doce sem articulações e tremia um pouco quando caí e os dedos (...)

talvez não tivesse sido tão inteligente quanto eu pensava e agora o corpo caído na sala de estar com as pernas cheias de sangue e a língua estrebuchada e não tinha como saber que ela era uma porra de uma viciada e falando nisso a porra ainda escorrendo do meio das pernas dela ia ser tão fácil de identificar que ai meu deus devia ter

Era uma vez um homem que escrevia histórias até que um dia uma delas, sobre um casal que se conhecia em uma festa e alguns problemas chegavam, tornou-se realidade e ele foi preso por suspeita de que ele fosse o casal e o verdadeiro homem não foi preso porque ele era muito muito esperto, e soube se acalmar e eliminar as provas e se aproveitar da ingenuidade dos escritores.

Fale conosco, nós precisamos de uma conclusão, uma solução, por favor!, e eu respondi a eles todos que não sabia como fazer, que não era possível, e eles disseram Não importa, nós precisamos de uma fechadura!, e assim eles se aproximavam mais ainda com as mãos ameaçadoras e os olhos e gritando Nós não somos apenas uma plateiazinha que você pode engambelar, nós exigimos uma história de verdade!, e então eu estiquei meus braços para a prateleira mais próxima e vi o nome do livro e vendi minha alma (senti a folha talvez cortando algum pedaço de alguma coisa) e consegui dizer em voz esganiçada alguma resposta e rabiscar a folha impressa com um ponto final e eles disseram Está bem por hora. e se afastaram de mim e foram embora e eu fiquei sentado no chão lendo ouvindo os gritos do quarto ao lado.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Phelps & Mewtwo: 1 ensaio

Em Tangiers, à beira da roleta:
- seduz-me se podes
- sempre posso.

Moral da história: UB ERA LLES

As criaturas do futuro: lulululuz.

- Moralmente inaceitável, tsc.

sábado, 23 de agosto de 2008

À

sim, sexo
sim, sex
sim, se
sim, s
sims
sins

so full of
soulful
sixties
some
so?

so I told him there couldn't be a will
he agreed.

desfaçatez, enfim...

how can I how can I how can I how can I disse o prefeito pendurado no parapeito, pé pra trás, pensando pouco na morte que talvez chegasse nos próximos segundos - pardon me! e casabaixo, chãoacima, um ponto uma poça uma pôça vermelha, uma môça olha de lado e sente o cheiro quente.

I remain true to you, my darling
I do
I do
I do
- você?
- sim,
e o corpo se derrete e é só the tiniest pieces of geléia, e essa é a história de como eu me atrasei, meu bem, eu juro, why would I miss the most important day das nossas vidas? now shut up and kiss me, amor. assim, mais doce, kinkier, sem leveza, você é meu grief, pra sempre.

[As línguas se confundem, diz E. F. Gallardo, formado em Lingüística em Harvard, um dos maiores expecialistas do mundo, com a boca cheia de alfajores de cogumelos - ele diz isso uma, duas, seis vezes até que se cansam dessa palhaçada e bang bang bang, he shot me down, bang bang, elvis presley tem um novo amigo para comer.]

signed


Eloisa to Abelard

os amantes de antes?

não-solucionados, ainda



bem

i do (not) miss


tu

(do outro lado)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Esopo

Era uma menina chamada Carmen, era uma menina era uma menina era uma menina. Claro que chamar de menina é menosprezar - um pouco de afastamento irônico, ai de mim - , esses substantivos todos diminuídos e falseados... 1995, talvez mais: recém saída do colégio, recém saída de nós e recém saída da graça de não ser necessário fazer decisôes: era hora de escolher profissão e virar mulher, talvez nessa ordem.

Preenchimento de uma folha: pior que querer escrever, ela me disse, em uma das vezes que me ligou chorando... Era feliz ou dinheiro? Não a menospreze por essa dicotomia, por favor... Não quero fazê-la parecer tão mentalmente simplificada, é claro! Há de se dizer que eu nunca fui vítima de tal brutalidade: há muito tinha decidido que era mesquinho demais esse caminho e resolvi trilhar o meu próprio, mesmo não o sabendo muito bem. Foi então um dia antes do prazo máximo que decidiu: filosofaria-se! Sem mais medo de pais, de dinheiro, de ver-se: minha Carmem queria ser pensadora.

Sumiu-se por tempo até a hora as listas: fui procurá-la e o espanto: Carmen Érica Borges, 1º lugar em economia. Quebrei minhas regras e liguei exigindo explanações: por acaso sentiu que era necessário mentir para mim? De todos eu era o que menos a julgaria, é claro (o que era mentira). A voz chorou: eu também não sei! Eu juro que era filosofia... Não sei o que aconteceu. Lá vou lá resolver isso amanhã.

Deu-se tudo por resolvido, tudo certo: vieram mais provas e mais acertos e mais sucesso, e uma noite memorável onde decidiu me ver, talvez um pouco enebriada, não sei se de si mesma ou de algo a mais. Carmem, pensista.

Foi então que chegou: o começo já do ano, bolsa, ânsia. Indicações de como chegar ao curso no bolso, cavalgou e foi. Desembarcando lá e: o prédio dizia grande: Economia. Irritou-se com a peça... Entrou e perguntou onde é que se filosofava. Disseram risada, que aquela era faculdade séria e não tinha disso não. Exasperoussaindo e foi andando todo o espaço, parando de porta em porta e perguntando como Carmen chegaria ao seu lugar - sempre a negativa total.

Voltou à casa suada, chorada, tremida: fui lá vê-la e abraçar. Minha Carmem só sabia dizer essas quatro palavras: "Não é possível..." Um pouco catatônica, acho. Passa-se: repetiu o cronograma mais seis ou sete vezes, sempre telefonando para lá e recebendo a resposta de que o curso estava lá, ora essa, e que seria de bom tom que ela fosse logo cursá-lo!, ora, senão perderia seu lugar.

No fim resignou-se: em mais uma ida viu novamente seu nome economicado e entrou pé hesitante: sentou meio morta e viu as aulas pelos próximos anos, formou-se e ficou rica. Casamos em 2000.


(texto meio nãoblog, mas.)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

mar

ele contou todas as mentiras
e ela disse que tudo bem



ummar
mar


eu soube que era pra ser
e corremos pra trincheira.

domingo, 17 de agosto de 2008

quotidiano

menina matou menino com travesseiro








três vezes, ontem, às cinco e sete da manhã.


direto da central.


(Trilha sonora: Can You Get to That - Funkadelic; Jogadores: Brecht e Hilda Hist; Cenário: Orson Welles; Análise: Sócrates, jogador, não filósofo.)



Q: Perde muito da força no final, talvez fosse melhor cortar algo, dividir, passar pedaços para outro texto. A dialética não se resolve, é mais uma fuga do que uma tentativa.
A:
Nunca é uma coisa só, você lê até onde quiser. E é um cadáver ensangüentado, mas não explico como.

sábado, 16 de agosto de 2008

Aut'ode

É a história de escrever sentado com a janela aberta... Um rapaz sentadescrevendolivrocerto até que a porta explode -- gente corre adentro, armaduras leves e pintadas de preto e saltam táticas vazio! Ponto vermelho na testa dele: DON'T MOVE! Três mil buracos antes da respiração antes de piscar antes de uma tecla -- o pitbull com nariz de palhaço vasculhando tudo com a lupa emprestada de Sherlock Holmes, "muito bem, senhores... essa evidência é irrefreável!", e ele nem mesmo sabe falar português direito! As gavetas vão à bancarrota umauma: uma vida toda de azar, desmembrada e tal... incrível como o cômodo se transforma tão rápido, metamorfose dos aflitos e logo chega: homem de terno e bigode, sorrindo de cara fechada, um chapéu perscrutante voando por aí. Tevê ao alto, smash, ponto, game, set and match! É o recordista, de todos eles mesmo, você não sabia? Mandozoutros pra fora com um retorcer de nariz: feiticeiro, contador. A planilha se desenrola testamentaica, pentatêutica, moisézica: papiraopé! Começa a desfilar palavra sem fim, ecoando redonda explosiva, ondas de concussão, prendendo na parede: sangue pelos olhos.
A mão deixa para a p(r)ost(-t + p)eridade um grito rouco e burro:

era só ela
de tarde e de manhã
deitada desse jeito
com a mão na minha

e obviamente não é suficiente; que dúvida, murcho depois no retorcido pedaço de pós -- eles partem pra outra.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

crítica

Os alienígenas querem que vocês finjam, mas o certo é dizer:

a arte se reproduz.

Mariana era uma menina feliz até o dia em que percebeu que tudo era virtual. Foi um escândalo e um desastre, os dedos queimados e cheios de vidro eram aflitivamente eróticos. A resolução chegou quando ela saltou para o vazio
.



Então: a questão principal no tratamento de tais temas é o modo pelo qual você os analisa. Era isso que dizia, enfim, o homem com os dedos nos meios das pernas do cadáver de Mariana, pupeteiro que ele era, luznosol ecoando na cabeça da máquina descrever enquanto as letras se re partem aos trilhões e len t am ent e vãããa~~~ ~~o esc
or
r
endo
e a arte
é tão bonita que nem dá pra entender.




Você não entende nada.

Claro que entendo. Você que é um idiota.

Eu não tinha visto por esse lado...

Pois é. É só uma conversa sobre hipertexto e a função da arte e como ela pode funcionar mesmo sem ser tão compreensível e as tramas e a existência e consciência de como elas são frágeis... Talvez?


E FEZ-SE A LUZ!

(no barraco da Lindinha foi festanoite toda; mesmo sem pagar, microondas e tevê! beijou ele que nem há muito tempo atrás e dormiu tão descansada que dava gosto ver...)

sábado, 9 de agosto de 2008

Trajetória

- Eu não quero ser uma flecha.
- Isso não é escolha sua.

Ele nunca conseguia andar em linha reta, era até engraçado... Sei lá. Queria dançar. Mas além de tudo ainda faltava espaço, deixa pra lá, que besteira, pára com isso e vai trabalhar. Calo.



3 anos depois, o ensaio geral: já era ele. Causado, calçado, causo.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

estòriarreal

Eram dois sentados em uma casa enorme, com móveis de menos, no tapete, olhando para a parede, sem dizer nada.
E então Deus desceu do céu coberto de luz e absurdo e assustador e terrível e disse alguma coisa em alguma língua impossível de entender.
E então ela saiu de lá e pegou o carro e foi para longe, e ele saiu de lá e se alistou no exército e morreu, e a casa foi vendida e foi derrubada e lá fizeram um hotel que deu muito dinheiro.
E ela não estava grávida.

Tente de novo:

dois casa deus carro morte hotel dinheiro.

A verdade é que ele não conseguiu escrever o livro sagrado e todos se decepcionaram; ele nem esperou que brigassem, saiu de casa e arrumou um emprego que o levasse para longe e todos esqueceram que ele existia. E foi melhor assim.

A verdade é que ela quis viajar para o Texas e lá encontrou petróleo e ficou muito rica e se converteu a outra religião e teve três maridos e ficou por lá e todos esqueceram que ela existia. E foi melhor assim.

(a verdade é que todo recomeço é um ato de perversão premeditado.)




Resumo

Nunca foram escritos & nunca existiram & não importa & ela dá aulas & ele não & foram presos por tráfico de drogas & assassinados por serial killer & queda de avião & revolução & prédio desabando & desconstrução & de mentira.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

V

Saiu sem nem ter de abrir a porta.
- Hoje eu quero trepar com alguém que eu não conheço.
A parede parecia mais cinza, até. O gemido meio baixo. Girando sem enjoar.
Não sentindo nada a não ser o que interessa.
É, assim.


Enquadrado: baixa fotogenia.
- Eu sei... só não queria você longe.
Andando no escuro muito claro, um pouco de fotofobia e muita multidão.
Mas pelo menos perto.
Queria concordar mais.


impossível & razoável

(culpa e o quê? sem hipocrisia não seria arte.)

(pedantismo, tantoquanto se quer.)

(é assim que ficamos, nem mais nem menos: pessoal e mentiroso.)

(desculpa? você sabe que não é exatamente isso.)

(desculpa.)



[deu-se por satisfeito e terminou.]

(assim.)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

e(

e(la diz que é feliz)
vão embora
sem ninguém dizer tchau:
(com a voz rouca)
devagar.

é assim que se sai
com as pernas trançadas
de frente pro nada
fugindo bem lento
(as mãos para trás)
e por trás de tudo
(e o tudo é inventado)
ela não diz nada
ele não diz nada
os braços de longe
(ela até diria
que talvez não fosse
uma boa idéia
mas ela não diz)
não se encostam mais
(ele fica quieto)
porta fechada?
(rachadura na calçada pichação na parede gente passando e olhando disfarçado sem parar de andar, não vêem nada)
não se vêem mais.]
acabou.

diria-se que
[não é bem uma conversa
nem dura muito. sabem que
estão indo. já. espera.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Autobiografia

Bateram à porta: fora daí! Eram aos ³.
- lá dentro, línguas mortas intraduzíveis -
Insustentabiliza-se: é ruir.
SWAT chega; desinfetante -- é assim que tem que ser! Eles não são
(fragilidade? sem dualismos, sem... mas sem concessão?)
bestas não!
Sobrou pras rachaduras contarem a história,
(eu sou só engasgo)
.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Abdicado

Se conheceram ontem, mas é como se fosse nunca. Ela disse que sim e ele disse que sim e se abraçaram.

ir

Quartescuro, bocapescoço. Doisemum. Mãonamão. Assimsim. Vemcomigo, messegura. Semparar?

re

Pós: a porta tremendo retumbante flácida. Gente-grita, tremendo lá fora. A luz é quase tocha; são dois vagalumes.

al

Uma pena:
- Não pode, não pode! Entra! Entra todo mundo! Entra! Não deixa! Não é justo!


?

Quem entrou não dava pra saber qualeraqual, se era assim ou não. Eles só se abraçaram mais e se esconderam debaixo do cobertor, feito em Versalhes. O prédio ruiu em volta e até mesmo as pessoas pareceram desaparecer um pouco antes de cair: impossíveis.

(não podia ser.)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Tentativa

Saxofonando sua voz, ela só ecoa...
Não pode reverter, é claro que não: isso tudo era irresponsabilidade e demência e besteira e achar que algo assim... Desrespeito.

Bebop, tanto faz.

UM ATO SÓ - BINÓCULOS


Ele não sabe o quanto andou, papum acordado. Estalo de dedos e se dezumbifica. Olhos no chão e - não, você não pode estar... - os corpos não cheiram tanto quanto ele esperaria que cheirassem, mesmo sendo tantos e aquilo era pra ser um deserto, os desertos não deviam ser vazios?, ecoando na cabeça e pro chão.


Não é mais Guerra nem nunca foi, é só suor. Ele sabe.
Le même,
La Môme, tanto faz, ele não se arrepende de nada: esse é o espírito, amigão! A cama encharcada desse jeito e não faz diferença, sai do quarto um James Bond de roupão e eu nem sei que hotel é esse, prazer, senhor Ming, isso é... a China? Ela ainda ecoa mesmo longe.


Um jogo de lego: olhos abertos e finalmente talvez entenda. Tardemais, too little too late, buh bye little boy, have a merry-go-ride, já desliza. Cai longe e tenta andar pelos cantos, mas ainda é uma desculpa, como é mesmo, MacMuffin?

Tampa do ralo: o amor só serve assim, no beco.



Talvez, talvez. Ainda se afasta demais... Mas vai servir, vai acordar: sem vitória nem espaço dentro dele mesmo, eles vão entender, ok.




(Transcri
ção dos cadernos de
Maiakovski!)

quarta-feira, 23 de julho de 2008

iv drug

Andréia era trabalho: 13.
De um
lado pro outro.

Aí um dia foi correr e sinal e: acabou.
Lá no enterro tinha frango, cerveja e pouco silêncio.

domingo, 20 de julho de 2008

hmng

Benzedrina mono
(temática todos os dias
se repe
te assim
todo dia
sem para
da montanha
s de repetições)
fásica; C6H6;
não se respira sem
(você
dançando na minha frente
rodo
piando aguda
mais rápido
giro sem
pre sem
parar)
oxigênio, é uma ausência, ela não consegue.


Não inale desse jeito
s
(ssssssssssssssssssssol sem cela,
ecoa no seu rosto
perdido você não entender)
em precauções adequadas!
São necessárias as mais ade
(rente a você
ácido áspero?
sua pele
não sentir mais
perdidem letras e numer0328941)
quadas precauções que você pode pensar!
Substâncias inflamáveis hidrogenadas de cadeias insaturadas que podem le
(nto movimento incompren rkrzzzkzrjrhrhrzhzjzhzzrjr
sem dizr o crucial
grgrj prdd escancara
grito
afogo)
var até mesmo à morte, e
(você sabe
que a morte é)
ntão tome todo o cuidado po
(nte aguda
nome feio
longe
sem
ffffffffffffffffffffffffff
alardeado
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhzzzzz
sfrs
nv~o)
ssível!
(meu amor.)

sábado, 19 de julho de 2008

confissão

- eu não gosto muito disso, falar de mim mesmo e tal, mas sei lá. esse blog era pra ser uma coisa separada, uma entidade independente, nada dessas personalices, mas talvez essa postura seja um pouco besta, infantil... eu queria pedir desculpas pra você, é isso. aquele sábado foi... deu tudo errado, eu não queria que tivesse sido assim, não era pra ter sido assim. eu sei que não adianta e tanto faz mas eu sou egoísta e quero ter a consciência limpa e por isso quero te pedir desculpa. eu não queria ter ido embora desse jeito, sei que foi escroto, desculpa. é que às vezes... eu sei lá. eu me sinto como se fosse outra pessoa, eu não consigo mais enxergar direito nem pensar direito, é como se tivesse uma interferência de rádio na minha cabeça, e essa interferência viesse de outra cabeça e não me deixasse ser eu mesmo e sei lá. e aí eu acabo fazendo isso, saindo desse jeito e sumindo e aparecendo dois dias depois, sem dizer nada... eu sei que é absurdo, eu sei, mas acredita em mim, por favor. desculpa. e desculpa pra quem nem tem nada a ver com isso e tem de ler essas coisas...


, disse ele, tremendo. Não demorou muito para pular, mas enfim









você nunca soube o que dizer
não é mesmo?


As pessoas talvez não compreendam como funciona: é uma questão de significados e símbolos que podem e mudam o tempo todo, e não de coisas imutáveis. Ele nunca tinha falado "sobre" uma coisa, era exatamente o contrário:
uma quadra
sem espaço
desenhada
na parede.
Amorfa.
Amorfa
e então ele percebeu que era inútil.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Amostra/e-se/valsa

E então ela desistiu de ser compreensiva e deu três tiros na testa dele: melhor escolha da sua vida, provavelmente. Se eu soubesse o beabá, mon amour, escrevia uma história muito linda pra você; como não sei, acaba tendo de ser... É assim: ela atirou e agora olha pro chão: valsa para trás, sangue nos sapatos. Não respira fundo nem anervosa-se, só passinho lá e cá.

Agora diga: e se digamos reverte? Suga: na cama novamente. É ontem. Confusainda, checa, checa, checa: é ontem mesmo. Sonho? Não: tudo se repete. A pergunta é: a valsa é repetível? Ela vai andando passo repasso tonta; mesmo? Ele está lá: o mesmo blábláblá. A mão ao bolso, coldre. É o saque: interrupção.

Caio se desdebruça: campainhamisericórdia? Vai andando e deixa o teclado caído, barrinha piscando. Pisa leve mas tenta fazer barulho. Chega lá. Olhomágico: Fernanda.

A porta está aberta. Fernanda entra e diz “Bom dia” e Caio responde “Bom dia”. Ela se inclina e lhe dá um beijo na bochecha. Ele se retrai um pouco. Ambos andam casa adentro, conversando generalidades. Fernanda sempre se inclina 12% a mais do que o necessário ao falar; Caio não percebe. Sentam ao sofá, é uma quitinete, Caio não oferece água. Já guia, falhou.

Na longa história dos relacionamentos, nunca houve nenhum mais espelhado e sem sentido do que o de Caio e Fernanda. Psicologia inaplicada talvez fosse um bom nome, eu não sei. Era isso que talvez se focasse na história d’Ela.

Ela atirou de novo e de novo e de novo até os dedos cansarem.

Seria bom se vocês conseguissem ver isso ser escrito: as letras transbordando pelos lados, tão bonito...

poema interno

não gosto de abrir minhas janelas

nunca gostei

elas fazem sol.

não sei

imitar a voz de caio

os ritmos se confundem

sem muita música.

Ela me olha e não vai embora e eu sento e ela não vai embora e ela diz coisas e não vai embora e eu escuto e ela não vai embora. É a mesma coisa que aquela vez quando eu tinha 9 anos e veio aquele Rafael em casa e eu tava gripado eu odeio gripe meu nariz ficava fazendo barulho e eu achava que era o barulho do sofá enferrujando e ele não ia embora e não queria fazer nada e eu dizia videogame e ele não e futebol e não e comer e não e tv e não e aí ele foi embora só no dia seguinte e eu que raiva e ele era filho de um senador, alguma coisa assim. E aí eu pisquei e ela tá na minha frente segurando a minha mão olhando na minha cara e eu olho pro quarto e a tela do computador apagou, será que é o protetor de tela ou desligou, eu não tinha salvo nada e quero levantar e ela tá me beijando e ela beija bem e que merda não vai dar tempo de nada e hoje ela tá beijando diferente, lembra uma vez em que ela me beijou bêbada na casa do felipe, ela tá bêbada? não tá com gosto, sei lá, a língua dela tá áspera, o que foi que houve?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Uma pausa...?

- Não há, obviamente... Quero dizer, eu nunca diria algo do tipo... Não há nenhum tipo de mapa para a arte. Caminhos ou algo do tipo... Eu nem sei o que são caminhos. Mas eu não consigo evitar... Enfim... Ver coisas. Ser um escritor é ler, no fim não há outra opção, eu nem gosto muito de ler, mas é preciso, crucial, etc. E ler: não só Hamlet ou... Cortázar. Ler o que ainda está meio vivo. São os blogs? Não, não sei se são os blogs. Talvez. Às vezes. E então acabo lendo coisas como isso. Ricardo Miyada... Eu conheço Ricardo Miyada. É um rapaz muito... Enfim. Ele leu os livros, leu as coisas que quis. E ele não é... Ele é inteligente. Ele tem noção do que está fazendo, não é um acidentalista desses por aí que se encontram em metrôs que... Que pintam a Mona Lisa ou qualquer coisa assim. Há uma... base teórica? Talvez o problema seja que... Eu vejo... Eu acho que vejo duas literaturas, talvez... Uma delas que... Que quer ser real? A realidade imitada? Não sei se é exatamente isso, talvez seja. Uma que se preocupa em narrar e... Em parecer. E ela pensa em si mesma como se pensaria na vida e... Exatamente por isso nunca vai poder ser uma ponte... Comunicação, é isso, no fim, não? Ela é desonesta e nunca poderá funcionar como um aperto de mão. E há a heróica... É o que eles dizem, não me perguntem, há essa que se pretende... Self-righteous, é essa a palavra: eles acham que estão tão certos e honestos e... "Não estamos enganando ninguém, confiem!" e é claro que... Claro, eles são mais abertos mas... Hitler também era aberto, veja, e isso não ajudou os judeus. É muito... Fácil, eu acho... Muito fácil eximir-se da responsabilidade e dizer "isso não é a vida, portanto" e então não há mais verdade nenhuma, certo? Esses... Adolescentes meio idiotas... Não é uma ofensa, é um elogio, por favor... Eles acham que... Que montando um texto bonito. É bonito mesmo, é bem bonito, as cores são boas, olhar repousa, etc. Mas não é só isso. Não pode ser... E então eles pregam dizendo que isso é isso e que há a tal ponte, mas onde? Eu... Acho que isso é fugir da raia e me incomoda. Soa meio... Pueril. E eu... Como escritor? Como escritor talvez gostasse de ver... Ao menos uma vez, eu acho. Porque Dan Brown é... Dan Brown e Sidney Sheldon são essas pessoas que mentem mas Ricardo Miyada não deixa de ser a mesma pessoa, do outro lado... Não há real diferença, vocês percebem? Eu gostaria de ver uma vez algo que fosse... Que fosse verdadeiramente as duas coisas. Não só palavras... Eu não confio em palavras, eu acho. Que fosse talvez a... História de um garoto? Crianças, não sei... Alguém que goste de ler e... Não sei, não é meu texto... E então me vem a sensação de que... Ricardo talvez saiba o que faz mas não pensa muito sobre... Nas conseqüências reais do que isso é... De... Marfim? É, marfim. Essa iconoclastia irônica autoconsciente metafísica metalingüística que se esquece de ser algo... Ela realmente não é algo. Não sei... Não, não tenho respostas... O que é algo? Um grupo de jovens que... Fumando, em um quarto feito de letras bem-diagramadas... Talvez isso fosse algo, não sei... Só não confiem nesse tipo de coisa, talvez... É bonito e bem espaçado e os links trazem um ar misterioso mas... Essas palavras... Elas realmente não são nada e não serão nada, ele talvez nem saiba disso e isso é muito triste.

sábado, 21 de junho de 2008

Olho-nu

Fotorraio
traz idéia:
silhueta qualquer.
É assim
eu não sou.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Arte

"Ela desaparece, é essa a única qualidade nela que me interessa. Se permanecesse, seria totalmente desnecessária - mais do que já é."

Luís Buñuel, cineasta espanhol, em palestra sobre Surrealismo na Universidade de Sorbonne, Paris, 1968.

"Quando eu era criança... Consigo lembrar bem de uma coisa. A primeira vez que eu li um gibi do Flash Gordon. Manhã, cinza, a Guerra já chegando no fim. Minha mãe sentada olhando. Um primo chega, vai conversar com ela - deixa o gibi na minha mão, me despacha. No começo eu ainda ouço um pouco da conversa deles - soluço engasgo choro etc - mas depois de um tempo curtíssimo eles simplesmente desaparecem. É só ZUM FLASHT BANG POFT BOING ARBHRHAKZ, a luz do quarto se dissolvendo e meu corpo deixando de ter sentido, aquela coisa toda tremendo na minha mão, e minha consciência resolvendo voltar - jazz no vizinho, bee-a-boo-la-beebop-boob-ba, os compassos tremendo em mim - foi meu primeiro orgasmo e quando decidi o que queria fazer da vida."

Thomas Pynchon, escritor norte-americano, em palestra privada na comemoração dos 30 anos de publicação de 'Gravity's Rainbow'.

"Não entendo a obsessão que nós, ocidentais, parecemos ter com a guerra, quando há tantas coisas mais interessantes no mundo - mulheres, por exemplo. Mas o louco devo ser eu, obviamente."

Gustav Klint, pintor austríaco, em carta a amigo, semanas após o estopim da I Guerra Mundial.

"Não acredito em uma causa negra, não acredito em uma causa dos pobres, não acredito em nada do que costumam me dizer, mas gosto que me digam. Eu compartilho o que não acredito com todos meus amigos, eles gostam. A única vez em que acreditei em algo, que me lembre, foi ontem, no palco, quando o suor cobriu meu rosto inteiro e eu nem conseguia mais soprar direito e assim mesmo a música continuava saindo. Você acredita em mim?"

Miles Davis, músico norte-americano, em ligação telefônica a uma de suas amantes interceptada pelo FBI.

"Felizmente eu não me preocupo com esse tipo de coisa, não mesmo, já superei essa fase há tanto tempo... O que eu faço agora é muito mais importante, interessante e tudo mais. Ah, o quê? Não, é claro que eu não posso te contar, qual seria a graça? O que eu posso dizer é que o que eu faço hoje está para o que eu fazia antes assim como o que eu fazia antes está para a vida, ou algo assim. Qualquer dia você vê. Prometo que você vai se surpreender."

Adolph Hitler, ditador alemão, em carta aberta à mãe, parentes e conhecidos, 1935.

domingo, 11 de maio de 2008

Arte

Arte não é ARTE!

sábado, 10 de maio de 2008

Arte

Se vê tudo isso e ainda reclamam; acima do morro o céu se parte ao meio e é coisa de cinema, tão bonito que é falso, parece que pintaram cartaz e botaram em cima. Terrinha hesitante afundando de pé em pé: o ar é doce, de conto-de-fada.

O que há de s'admirar são os espaços vazios, as lacunas que s'atravessa com tanta sem-cerimônia, pouco vistas, pouco bem quistas, pouco tudo, por isso tão perfeitas.

Contornos ensolarados em ombros; meu amor de nanquim.

O topo da toca de tudo, e é lá. Se é assim, entrelaçado. A garganta e os olhos e tudo se fecham, não há mesmo capacidade pra se continuar. De todos os lados.

Deita-se no chão, cai-se, não sei. Não sabe. Palavra não há, após isso. Talvez só palavra disso.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Arte

É horrível estar cercado de arte o tempo todo. Se digo isso e você pensa em um homem amargo e velho sentado em sua poltrona reclamando com voz rouca, não continue lendo. Me fiz entender mal e já está tudo estragado. Os restantes: vamos.
A arte me irrita, me dá alergia. O grande legado imortal dos gênios brilhantes me cercando em prateleiras, enquanto eu sumo mais um pouco. Arte é pra masoquistas, punheteiros, idiotas, etc.
Quando eu conto uma história não é arte, é mentira. Só digo essas coisas pelo prazer de enganar os outros. Gosto quando elogiam, rio depois.
Se eu escrevo isso é por falta de opção. Por tédio e preguiça de me levantar. Melhor: é um inconveniente, como cagar.
As pessoas ao falar de arte viram todas idiotas. Os olhos começam a brilhar, ficam excitados, a saliva respinga, piscam excessivamente, as pernas ficam inquietas. É horrível de se ver, parece que viraram macacos. As palavras que eles usam... São absurdas, idiotas, a mais aberta representação de deficiência mental.
O pior é exigirem arte de você. Pinte um quadrinho, meu bem. Tons pastéis, só pra mim. Pornografia disfarçada do pior tipo. Esculpe, assim, praquele amigo meu. Proxenetismo.
Aí eles vêm e dizem escreve um texto. Desse jeito, pra chocar. Nosso rebeldezinho. Eles pedem do jeitinho que eles gostam. E escreve, escreve. Eles dançam na sala do lado, um baile de máscaras vitoriano com uma orgia no meio. A grande cultura. Você só consegue se masturbar porque fica entediado. É óbvio o que eles querem de você, não que faça diferença.
E aí foi: a história de um escritor de vinte e três anos que enlouquece.
Correndo pra fora do prédio, roupa cheia de sangue e encarando devagar todos que cruzam. Ele só carrega um lápis, também ensangüentado. Sombras caligarescas, enfim. Edificações oblíquas contribuem para a paisagem necessária a esse tipo de personagem.
Perna desengonçada capota torta; desliza rua abaixo. Queda acentua a dramaticidade, é necessária. Três milhões de olhos o acompanham derrepente, o machucado na pern’arde. A boca aberta: as palavras se engasgam, se atropelam, não há como explicar.
Círculo se fechando, o raio diminui em progressão geométrica. O ar rareia, pode-se ver que o personagem não tem mais fuga, sombras projetadas sobre seus olhos, prestes a desaparecer.
Desaparece.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Des

Alexandre salta; é o tempo de avesso. Só sabe isso: saída. Ele não é - sou? - culpado, até onde dá pra adivinhar. No máximo um desinocente: chama azul com línguas alaranjadas. Não quer não quero estar ao alcance, galopa-se pra isso: o homem que cavalga o furacão, sorriso. Olhos nas costas, calafrios: nunca longe, ao esticar de uma unha talvez um toque. Pernas de alfinete são apoio; ele cospe o cabelo do rosto. Quando os olhos caem, sente: uma lágrima que sobe aflita desde o joelho, o mundo aformigado não o vendo. Se perde um segundo - é tão longe assim, tudo? - e se perde. As mãos se aranham sobre ele, rede de aço, tenta, sai, agora, meu deus! Respira o gelo - acho que não dói - e ensaia um disparo: tropeçou no céu como se ouvisse música, o mergulho ávido, já visto: banana na rua, sem paz. Abrigo bacana, só (des)mancha.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Palestra

Caminhão de tulipas; se reproduz por vivissecção assistida, exibicionista e caridosa. Você diz – não diz? – que me inaugura, não é mesmo? suas mãos sobre as minhas são teias de morte e ardência, e é assim mesmo que eu gosto de nós dois. Nossos olhos – explodindo em bicromátides.

É, eu sou... Será quê? Sim. Seu escritorzinho, só seu, com meu lápis quebrado apontando vagaroso enquanto meus olhos se pregam no seu cabelo, muito mais nos fios fora do lugar. As cadeiras em que nós sentamos – elas são aquilo de macio que existe.

A voz em volta se acarpeteia, enrola. São os sussurros gritalhões que fazem com que eu me sinta em casa. Chegam.

São elas e os outros, são eles e nós. As mãos juntas suam, um pouco mas incômodas. Se fala, se fala. A literatura é o avesso do ovo de Colombo, é isso. Os artesãos das palavras, cavando uma saída de tudo que se faz real.

O interesse se alarga: é uma poça inequívoca, meus pés pegajosos e enlameados me arrastam, desagradáveis, horríveis: sua mão torce meu pulso e me puxa, o abismo-redemoinho é nosso rival, boca de dentes translúcidos.

A intrusa é aquela que todos acolhem melhor que o que s’espera, a espiã não vem do além; os corações se aquecem com sua presença, princesinha. Nós assistimos ao falar, às instruções: três doses de maracujá, uma metralhadora carregada de granadas e dois tiros na testa: está pronto o seu artista.

Eu quero, diga-me, eu quero, quero que escoe sobre mim a poesia e a poesia e a poesia, todas elas, juntas, lambendo meu corpo insinuantes – nada insinuante, explícitas, pornográficas, escatológicas, absurdas, um rio de sangue coberto de pus: essa é a poesia que apetece aos meus (quanta beleza!, quanta certeza!) leitores, os próprios.

Eu sou rijo, sou estante, sou vermelho: sou o ouvido que tenta não ignorar mas que quando te vê se perde, as palavras preciosas passarinham para longe, a rica arte discreta que queremos reproduzir, tudo no ar, sólido: eu esqueço tudo e vejo você.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Carpaccio

Carpaccio


Leandro sempre gostou de
lamber a pele de menini-
nhas. As mais nuas que pu-
desse encontrar. No dia de
ontem, às 17h com um sor-
riso de lobo pingando, ele



flutuou de leve

como pluma.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Atrás

Você não sabe o que significa seguir um homem até segui-lo. Você pensa que quando, por acaso, você anda atrás de uma mesma pessoa por um tempo considerável você está seguindo, mas é completamente diferente. Quando você não tem nenhum caminho definido a seguir, só os passos de outra pessoa, todo o ato de andar se transforma.
É principalmente a transformação que traz o impacto: sua maneira de agir deixa de ser superficial e todos os seus gestos ganham significado, mesmo que você não saiba; você tem de disfarçar a si mesmo de uma maneira que você, ao se ver na rua, não se perceberia. É muito mais do que olhos furtivos e um casaco grande, é uma mudança muito mais espiritual do que física.

e eu não soube como segui-lo assim os meus pés se arrastando pela calçada os dele na frente me encarando para trás e ele sabia que eu estava mas continuava seguindo irônico como se quisesse me torturar e eu só queria acelerar e chegar perto dele e colocar a mão no ombro dele e puxá-lo para trás mas não as regras não as regras são outras e não essas e o homem seguindo atrás observando aos poucos, é assim que deve ser.

- A senhora deve me desculpar, mas eu não trabalho por tão pouco.
- Mas eu preciso saber! Ele é descuidado, logo você descobre, eu juro!
- Se é tão fácil, faça você mesma.
- Eu não posso... Por favor, aceite, é tudo que eu posso pagar...
- Não é o bastante.
- Eu te amo.

A taxa cobrada é de 200 reais por dia, mais as despesas. Ele é rápido e eficiente e nunca se engana. E até mesmo seu rosto segue o padrão que você esperaria. O nariz de boxeador. E os olhos menos misteriosos do que parecem. Ele desmascarou na última vez um homem que traía a esposa apenas uma vez a cada duas semanas, por dez minutos, no banheiro de uma peixaria. O suicídio depois era só a cereja.

Na última vez em que senti que estava sendo seguido, era verdade. Os olhos olhando para trás: mais nada. Contratei outro.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

aquilo que se define e deixa de existir porque você desfez o.

Você nem sabe que família é uma coisa desse jeito que não se explica, boca calada por muito favor, e agora quietude. Eu nem sei o que é que dizem de um homem feito ele, tão tão tão assim que os outros quando iam falar sobre ficavam sem saber o que, meio sem o que e meio sem qual. Ele não era tão grande quanto a turma tem dito por aí não, grandinho, sim senhor, mas nada de muito gigantoso, normal, maior que o normal, mas normal, sim sim sim. O problema é que nunca se é só você, sempre há outro outro pra ser, não é, né, senhor, e era esse o problema, que tinha um irmão, tão grande e pequeno quanto, mas outro irmão, sim. Esse era de pouquinho mais magro, mas parecia por demais ser bem mais fino, daqueles que só de olhar já se quebra, e por isso ninguém não gostava de olhar pra ele não muito não, ele acho que não gostava não muito desse não olhar não. E ele tinha um assim um negócio no olho, não muito um desvio mas mais uma curva: esguiadez, não sei. Ele quando criança falava pras pessoas cada tipo de coisa que não se deveria, dizia na cara dos vizinhos e de outros aí que não gostava deles e que, sim, sim, fosse embora, até que os pais já fora do espectro de 'as crianças e as crianças são' deram a briga bronca, e ele percebeu que a direção estava inexata, no fim. E você nem sabe que esse filho era um menino tão incompleto que às vezes vendo de longe você só via um pedaço; os olhos que focam fogem, foragidos. E esses dois eram irmãos e eles não se encontravam e não fazia sentido, enfim, porque onde o conflito? Era de esperar-se e por toda a vizinhança e nos conhecidos era-se realmente assim: onde está? A briga era inesperadamente aguardada com aflição e apuro. Nem mesmo entendiam o que havia de tão assim para tornar necessário que ocorresse, mas era assim: a briga era por precisão.
Era como se assim fosse um assim erro, uma incorrespondência universal entre os dois, uma falta de integridade e integração, versificando o que não se gloricanta! Quando chegava-se perto dos dois a voz das pessoas s'engrolava e ficava toda assim estranha, ela cantava um pouco mas perdia a capacidade de ser comum um pouco, e às vezes era uma métrica tão impossível que o engasgo. E mais de uma vez o padre, suspeitando do exorcismo que se fazia pedido, lá se chegou e entoou a ópera que todos queriam ouvir, Caim e Abelizada, mas sem nunca nenhum dos irmãos atuar, ou nem mesmo tomar conhecimento disso; bênção!
E então, assim, você não mesmo quer saber, a ignorância explicita a felicidade, meu senhor não se aplique nesse tipo de coisa escrota, que é o que é que se quer ver mas que não dá pé, capture o momento em que tudo acontece e esquece de tudo isso, por favor, meu deus vai se foder e vai pra longe daqui, o mais distante possível, porque é no tudo que isso acontece, não, é sempre, senhor, você, assim.

você
entende
que a sua voz
não interfere em
nada do que está sen
do dito por ninguém e
a mensagem
tudo
os dois
isso aquilo
sua boca tão feia
escorrendo
besteira
o inferno com os dois
é assim mesmo
que a história
se faz.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

incompleto

desejo para todo o mundo
os mesmos ti
pos de doen
ças que vem
tão lindas
tortas e fei
tas de mel.
você sabe
da vez em que
(já viu a pergunta?)
o surto de
meningite
trouxe tanta maravilha?
era tu
do tor
to e incomple
todos cantam
desafino.

desatino.
a falar de tu
sem con
compreendo
(as vezes em que gargarejou tudo que não podia ter dito nos décimos)
você e se
ios e o
lhos, certo.

eu den
tro de
tudo len
to você
gemen
do pare
de quen
te viu
se fos
se assim
você pedin
do tudo, as
sim, en
tretendo
corpo sen
do algo
além do
depósito fim.

os olhos
piscando
de noite
fechados
delírio
tremendo
carpindo
o sonho
errado.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Onir

Essas botas não são para isso, ela murmurou; ignorância, no geral. Os dedos dele explodiam dezenas de vezes a cada suspiro. O narrador, que talvez seja alguém, exime-se da culpa em todas as instâncias. Impossível pensar concretamente com as mãos implorando amputações. Múltiplas. E então eu disse a ela que não seria necessário, não mesmo. No máximo a fisioterapia. Ela perguntou o que eu queria dizer com isso e nada, nada. E então eu a abracei de novo e a puxei para perto e o corpo dela estava brilhando, a luz suada em toda a sua pele. Ela sorriu para mim, meio encabulada, daquele jeito que não é nem de verdade; mas você conhece alguém que saiba fingir timidez tão bem assim? Eu enterrei os olhos na clavícula e respirei bem fundo antes de dizer. Lá fora da janela o silêncio propício; um mendigo ou dez, todos dançando meio lentos. Às vezes é isso, no entanto, o universo: viajando sem propósito de lóbulo para neurônio, aleatório: cruel? Arranhou os braços dela desesperado, as lágrimas se acumulando, o cabelo tão. Beijou o pescoço tão lento e tão lânguido. As palavras dela musicaram para fora, o alento. Ele disse não, não, nada. E então encostou o lábio no ouvido dela e eu disse: você não é de verdade. E meus braços: vazios. Bateu as últimas seis ou sete teclas sorriso intelectual ou choro culpado, as versões variam.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

os hífens

ele entra tão às vezes
(de quantas vezes você falou?)
perturbamos as paredes
(há quanto tempo estamos aqui?)
caminhou o seu turbante
(me viu no dia, lá tão bem longe?)
nunca sentiu não calor
(não me dê resposta.)

agora senhor
quando vier dançar
traga de antemão
(eles já sabem, tanto assim, afim?)
estamos entendidos?

eu gosto de quando
você sai de dentro
de tudo
do resto
daquilo que eu nem sei
(o centro dele não sou eu)

adora tanto entender
a briga irresta, sem corda
(passa a mão pra bem mais longe)
o aproximando, morte
não entende, não, não pode.

(se então
for assim?)
me diz então
quando é?
(quer saber)
você, deslidançando
(eu não sinto, por favor)
qual será?
quer entrar
(não, o então)
quer benzer
(o outr'além)
(você chegar)
(pensando, além)
o entreter.
(você, não eu.)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

di-álogo.

Era assim, então, daquele jeito, e ela disse que tudo bem; não tinha problema nenhum, mesmo, e ele sabia, afinal pra que servia, fora aborrecimento? A boca deslizando dançante muda, seus olhos ainda seguindo; pause. Você não entende como são essas coisas, nunca saberia; há talvez uma nova? uma outra? e o que ele quis: o nulo. Você sabe como são essas coisas, não?, tudo tão certo e tão besta, deixa de besteira. Cabaré, no fim, não é?, luz tão morta e a pele parece outra; tanta coisa pra dizer e tão pouca. O passo passa muito, rápido; você não olha pra trás, o que são essas besteiras?; o som do hesitar, não, era só mentira, o som do sofá sob tudo, tão tão; neutro? A porta que se desdobra nisso; o olho que rebate na porta olhando o inútil, diz agora quem é, se é, diz. O fim lá dentro, sem medo evidente, verdade, juro.


(postado sem revisar/etc então tipo. sux.)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Trinca

Lambeu o sangue dos lábios; ainda era tarde. Piscou três vezes e redeitou-se. Três horas depois: descobre.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Prólogo

O homem caminha lentamente com as mãos no bolso, escondendo a falta de cuidado com a escrita que qualquer um perceberia facilmente. O homem caminha. Sobre o homem: luzes elétricas vindas de postes altos que circulam ao redor de todos os prédios ao redor. Ao redor, menos especificamente, centenas de milhões de pessoas. O homem caminha para dentro de um prédio e o ao redor desaparece: paredes.

Aí ele sobe a escada e ele entra na casa andando no ritmo dele mesmo. Ele vai bem bem bem e nem choveu hoje, graças a deus! Ela tá deitada no sofá esperando, sem roupa nenhuma. Ela também tá deitada no sofá esperando, sem roupa nenhuma. Ele diz oi tudo bem que que vocês fizeram hoje e elas dizem que treparam e ele diz que bom e diz que vai se trocar e que odeia aquele terno, mais do que tudo. Elas dizem que tudo bem e que sem pressa. Ele anda até o quarto e se troca.

Pedro sai do quarto de shorts e de chinelo coçando a nuca e ele está um pouco acima do peso. Seu IMC é de aproximadamente 26,122 (Peso: 80kg; Altura: 1,75m) mas isso não se traduz diretamente em desagrado estético, pois a maior parte de seu sobrepeso se concentra em áreas de seu corpo pouco avistáveis, como a parte anterior de suas coxas.

Ele se aproxima das duas sorrindo e se senta meio deitando no sofá, entre elas. A voz sai em sincronia das duas gargantas perguntando “Como foi o seu dia?”. Elas sorriem adoravelmente. Ele diz que foi tudo normal, nada fora do comum, como quase sempre. Diz que almoçou com o Jorge, “Vocês se lembram do Jorge?”, e que ele havia feito uma proposta.

Jorge havia feito uma proposta. Não Pedro. Jorge havia dito que a empresa dele poderia crescer. A empresa de Pedro. Não a de Jorge. Jorge não era dono de uma empresa. Ele trabalhava como consultor. Para empresas. Ele havia dito que Pedro deveria começar a fazer negócio com outro tipo de clientela. Maior e mais ampla. Crescimento dos negócios. Pedro disse que pensaria. E então ele mordeu a carne de vitela. De animal jovem. Tenra. Ele nunca mordera um bebê.

- Ah, só aconteceu uma coisa de diferente hoje.
- O quê?
- Tive de passar por uma esterilização total, depois que um cara esguichou sangue em mim por causa de uma facada mal aplicada. Acharam que talvez ele tivesse uma doença. Foi bom, testamos a nova máquina de limpeza total. Funciona bem, sem dor nenhuma.
- Ai, querido... Você tá bem? Ficou preocupado?
- Não, nada.

O homem se inclina sobre a mulher mais próxima – a que tem o cabelo loiro – e encosta o seu lábio no dela de leve, enquanto estica o braço esquerdo para o lado oposto, segurando com pouca força o seio da mulher mais longe – a que tem o cabelo preto – e a puxa de maneira gentil para perto. Ele se afasta alguns centímetros da mulher de cabelo loiro e sussurra algo para as duas. Ambas riem. Seus lábios fazem uma curva e pousam sobre o pescoço da mulher de cabelo preto, enquanto sua mão direita navega até o meio das pernas da mulher de cabelo loiro. Ela se contorce levemente e ri.

O universo se contrai com uma explosão – dois homens parados ao lado do trio que sorri espatifado sem saber o que murmurar: “Vocês estão presos por imoralidade e absurda ausência de compatibilidade” – Pedro está de alguma maneira segurando uma arma que ninguém sabe de onde veio, apontando para a mulher loira, dizendo que a cabeça dela vai explodir e sujar o corpo dos guardas, e que ela é bastante doente e que eles não gostariam de arriscar uma contaminação com o que quer que seja que tem no seu sangue – o guarda mais alto, segurando uma sub-metralhadora , hesita, e é o suficiente para que uma bala atravesse o seu cérebro em uma instante rápido demais para ser descrito – o outro guarda grita quando os pedaços de cérebro cobrem o seu rosto, mas não tem muito tempo para se preocupar ou ficar horrorizado. Pedro joga a arma para longe, fora da janela. “Acho que vou ter de sair. Vocês continuam sem mim?” “Claro. Mais tarde, no bar de ontem?” “Se eu não aparecer por lá, talvez nunca.”

O homem saiu, as mãos nos seus bolsos, olhos apertados, os prédios em volta: ausência revolta. Sorriu a si mesmo, pensar no futuro, longe de seu prédio, virou-se e sumiu.

O escritor se debruça ao contrário e estrala as costas, sorrindo satisfeito, quando começa a vomitar incontrolavelmente. Cai morto alguns segundos depois.

- Testando. Testando. Oi. Vocês ouvem bem? Meu nome é Pedro. Eu invadi essa rádio pra dizer só uma coisa: era mentira, ok? O que disseram era provavelmente mentira. Eu nem sei o que disseram, mas era mentira. Certo? Certo. Agora que tiraram isso do caminho podemos começar, eu acho.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Conjunto

A folha descendo muito devagar sem ninguém ver -- as crianças estão aí perto, sabe, brincando, só correndo uma atrás da outra sem pensar muito -- mais tarde eles vão à igreja, e vão fechar os olhos juntos e pensar juntos -- você pode chegar mais perto? eu nem consigo ver o seu rosto direito -- a praça anda tão cheia de gente, eu ouço a música do meu quarto -- à noite, todos se encontram e falam sobre nada importante -- o assobio que não se sabe de onde vem percorrendo tudo -- eles jantam em casa à noite, sem falta, faz tempo, você sabe -- o espaço vazio na madrugada -- todos entrando silenciosa e respeitosamente, olhos no chão... -- a mão dela na mão dele, sem planejamento nem... --- a água se espalhando para todos os lados possíveis, os pés e pernas voando -- o chute para longe e o assombro -- ela pede com voz manhosa e baixa, por favor, deixa eu ficar -- as mãos que procuram o certo -- o pedido sem coragem -- ela disse que me ama, sabe, eu nem podia...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Resumo

Serpente casual cravando os dentes na melodia: ele.
Silvou-se até o canto e propôs: ela.
Sussurrou sem pudor o esquema: isso.
Seguiu para longe livre de certezas: aquilo.
Sentiu os passos atrás hesitando: juntos.
Soube a mudança dos caminhos todos: curva.
Serviu os encantos certos e certeiros: ganho.
Sabiá assobia o rumo dos encontros: eles.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

DVS

O Jovem Artista Idealista de Olhar Sonhador (JAIdOS) senta na cadeira ao lado da janela, com os olhos fixos no mundo afora, a luz transformada em milhões de pontos brilhantes lambendo o seu rosto, seu coração pulsando junto do mundo, em dezenas de batidas intensas que fazem circular toda sua Magnífica Energia, sua Belíssima Alma. Ele respira fundo com toda sua leveza e sente dentro de si todo o Mundo, convocando-o a criar Poesia a partir de toda a Beleza que flutuava em todo lugar.

(Hoje eu cheguei em casa e tinha uma mancha de sangue no elevador. Você entraria em um elevador com uma mancha de sangue? Na verdade não era bem uma mancha, tava mais pra uma poça. Bem no chão, bem na minha frente. Eu travei.)

O JAIdOS levanta-se da cadeira e dirige-se à porta, em passos garbosos, sorrindo envergonhado para ninguém. Sai de seu quarto e sente todas as almas do Mundo se comunicando com a sua, tornando explícita a Poesia que permeia a todos nós. Dá alguns passos lentos e sem rumo, apenas deixando-se levar pelo Destino, procurando a Vida em qualquer lugar onde ela possa estar. Ele vê um Mendigo Esfarrapado (ME) no chão e se compadece, concentrando em si mesmo toda a dor do Universo. Sua Alma é grande como a Criação.

(Eu acabei entrando no elevador. Sozinho, aliás. Fiquei esperando um pouco pra ver se ninguém chegava e entrava comigo, mas passaram uns 5 minutos e nada. Entrei e a porta fechou atrás de mim. Fiquei encostado nela, olhando pro chão. Pra poça. Acho que o sangue era novo. Não sei. Não encostei pra ver se ainda tava quente. Não fiz nada. Só fiquei olhando. Dava pra ver meu rosto refletido na poça, por causa da luz. Não tinha cheiro nenhum.)

O JAIdOS anda mais alguns metros até um prédio de aspecto curioso. Fisicamente é comum e apoético como os outros, cinzento e morto, mas emana alguma energia de força extraordinária, impossível, absoluta; divina. O JAIdOS encara a porta aberta por alguns segundos e segue prédio adentro. Logo encontra uma outra porta aberta (Ah, a magia das portas!) que leva a uma escada. Sobe-a com o corpo trêmulo dos mártires, pé após pé, respirando fundo e sentindo-se invadido por algo que não sabe explicar. Atinge o topo em pouco tempo e vê o Mundo; angelifica.

(O elevador parou no meu andar, o último. Abri a porta e na frente da minha porta tinha um cadáver. Um cara de uns 20 anos. Eu travei por meio segundo e vomitei em cima dele, não consegui me controlar. Entrei em casa correndo, meio tremendo. Não liguei pra polícia, alguém deve ligar logo. O enjôo não passa.)